quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Esquindô, esquindô


Passei os três primeiros dias do Carnaval (sábado, domingo e o começo da segunda) no templo de budismo tibetano em Cotia, o Odsal Ling. Cotia tem pelo menos dois outros centros budistas, mas esse é o da tradição que eu pratico.

O templo tem a intenção de servir como centro de difusão do Dharma (nome dado aos ensinamentos budistas) a todos os interessados (budistas não fazem nenhum esforço para converter as pessoas) e como um lugar de preservação da cultura tibetana, ameaçada de extinção desde a anexação do Tibete pela China e os maciços esforços de colonização (crianças aprendem chinês na escola, essas coisas).

O Carnaval, que é uma data móvel, coincide sempre com outra data móvel, o Ano Novo Tibetano (Losar). Os praticantes de budismo tibetano aproveitam essa ocasião para se concentrar em um retiro de meditação que os prepare para o ano que começa.

Ainda bem que coincide - se não fosse feriado, eu não conseguiria fazer o retiro. E é engraçado sair de cama de madrugada, ainda no escuro, ouvindo os sons dos animais noturnos, e imaginar o sambódromo, os bailes e avenidas fervendo.

***
Na noite de sábado, acompanhei um amigo que queria jantar em um restaurante próximo. Como não era um retiro fechado, tudo bem. Passamos a noite falando sobre uma de nossas paixões: Beatles. Lembrando arranjos, letras, significados, histórias. Enumerando faixa por faixa o With The Beatles (provavelmente meu favorito, se é que isso é possível) e o Álbum Branco.

Na volta, escutávamos versões caseiras de algumas gravações deles e ele resolveu esticar um pouco o caminho para não interromper a música na metade. Ainda era cedo, a gente seguiria dois minutos em direção ao Embu e faria o retorno.

Em um ponto escuro da estrada, ele diminuiu a velocidade porque percebeu um ser vivo - um gambá, que saiu calmamente do meio da rua. Mas logo adiante, um outro ser vivo estava completamente desorientado no meio dos carros. Em um lugar especialmente complicado, em que duas estradas se encontram, um cachorrinho fazia zigue zague enquanto os carros tiravam uma fina de suas orelhas pontudas.

Fiquei desperada. Dei um grito quando uma camioneta se aproximou ameaçadora, na esperança de que um dos dois - o cachorro ou o motorista - me escutasse.

Não conseguimos ir embora indiferentes. Encostamos, cercamos e bichinho e o colocamos para dentro do carro. O que fazer depois? Veríamos... Ele se aconchegou nos meus pés como se conhecesse o carro há séculos e estivesse esperando a vida toda por aquele lugar.

***
O centro budista, como as ONGs de proteção animal e casas de seus defensores, é um lugar marcado pelo abandono de animais. Assim, é preciso ser muito firme e não aceitar os bichos que aparecem, porque não temos condições de montar um canil. Alguns já ficaram por uma ou outra razão, mas em geral mantemos as portas fechadas.

Portanto, sabíamos que o cachorrinho seria problema nosso - mas aquela noite ele passaria "em retiro".

***
O pessoal do centro brincou: "Legal esse restaurante, hein? Eles dão brinde!". O cachorrinho é uma graça, todo mundo adorou - mas ninguém podia ficar com ele. Com o pelo bonito os dentes em ordem, sem pulgas ou carrapatos, ele podia ter se perdido ou sido abandonado... "De rua" não era, como sua própria falta de jeito com automóveis revelava.

Terminadas as celebrações do Ano Novo (que começaram às 5:00 de segunda-feira), tomamos a estrada de novo para ver se alguém tinha sentido falta do bichinho ou queria adotá-lo.

Mas a situação das pessoas que abordamos era progressivamente desencorajadora.

Entramos em uma rua de terra e perguntamos para um menino gordinho, simpático e muito despachado se ele conhecia o cachorro. "Não é de ninguém daqui não, eu conheço todos". "E você não quer ele pra você, não?". "Não, eu já tenho três, dá vontade de dar um fim neles". Percebendo que meu amigo se espantou com o "dar o fim", arregalou o olho: "Não, não tô falando em matar não, é só que eles dão trabalho!".

Paramos ao lado de uma banca de fruta na beira da estrada e a mulher que fazia compras também não o reconheceu. "Quer pra você?"."Nããão, eu já tenho cinco, meu marido me expulsa de casa. Tem um que chama Tuntum, porque apareceu na nossa porta e fez "tum-tum" e a gente pôs pra dentro".

Mais adiante, uma senhorinha que caminhava devagar ouviu atentamente a história do bichinho e disse que não podia ficar com ele não, porque já tinha os dela (não lembro quantos, mas era plural).

Encontramos uma casa de ração. "Não conheço, não. Ficar com ele? Eu tenho oito, não posso pegar mais nenhum!".

Tentamos o Centro de Zoonoses do Embu. Os funcionários, muito amáveis, informaram o que esperávamos - não tem espaço para pegar mais nenhum cão. Mas deram o telefone de uma voluntária que visita os animais confinados no centro e também recolhe alguns.

Contamos a história de novo. Ela nos cumprimentou, agradeceu e explicou: "Eu não sou entidade, não tenho um canil, só recolho os coitados que largam por aí, tento encaminhar para adoção. Tenho cada história de sofrimento que você não acredita. Mas agora estou com onze cães e quatro gatos, não tenho condição de pegar mais nenhum. Me manda a foto dele que eu ajudo a procurar o dono ou encontrar quem adote".

***
Cheguei em casa com o bichinho. "Olha o que me seguiu até em casa...". As meninas amaram. Os cachorros abraçaram. Ainda vou tentar encontrar o dono, mas já não tenho tanta certeza se encaminho para adoção.

Como foi achado por causa dos Beatles, começamos o chamando de Lennon. Eu já tenho um Dub e um Ziggy... Mas Lennon não pegou, John também não. Ele tem cara mesmo é de João. João Limão.

3 comentários:

  1. Bom dia!

    Talvez vc. não conheça a lista de doação mundias Recycle... seguem:

    A Geral de onde se parte p as locais: www.freecycle.org

    A de SP - www.freecycle.org/group/Brazil/Brazil/Sao%20Paulo ou http://groups.yahoo.com/group/SaoPauloFreecycle

    a de Sto. André - http://www.freecycle.org/group/BR/Brazil/Santo%20Andr%C3%83%C2%A9 ou http://groups.yahoo.com/group/SantoAndreSPFreecycleTM

    Nestas listas, alguém pode se interessar...

    Tem tb. o Instituo Nina Rosa (INR), que pode indicar pessoas p/ doação...

    Pode-se tentar no QueBarato, Mercado Livre ou Toda Oferta.

    Mas sempre com um termo de compromisso p/ cuidar do cão, pois podem haver abusos ou descuido por parte de quem adota...

    Andrey

    ResponderExcluir
  2. Será que você não conseguiu ver nada mais além do ridículo templo? entre em contato conosco e lhe mostraremos muita coisa que acontece na vizinhança. É do seu interesse político.

    ResponderExcluir
  3. o link do Odsal Ling tá errado. vc trocou o N e o T. bj.

    ResponderExcluir

Talvez eu responda seu comentário com outro comentário... Melhor passar por aqui de vez em quando para ver se tem novidades para você.