sábado, 19 de junho de 2010

Recuerdos da África do Sul - 2

Na volta do Nepal, não conseguimos embarcar de Nova Délhi para Mumbai – uma tempestade monstruosa cancelou todos os vôos. Fomos levados – depois de MUITO tumulto – a um hotel e embarcados no dia seguinte na hora do almoço. Naturalmente, todas as conexões, que eram bem justinhas, despencaram. Conseguimos chegar a Mumbai, mas não sair de lá. Foram 72 horas na cidade esperando aparecer lugar em outro vôo... 
Chegamos a Joanesburgo e novamente não havia lugar em nenhum avião para o Brasil.

Com um detalhe: era dia 24 de dezembro. Já era para estarmos em São Paulo desde a véspera, mas não sabíamos ainda quanto tempo teríamos de esperar até conseguir voltar para casa, para nossa filha de 6 anos, parentes e amigos. O Natal , como mais temíamos, seria bem longe deles, na África do Sul.

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Éramos, dessa vez, 6 pessoas. Eu, meu marido, um casal de mineiros com sua filha e uma mineira amiga deles.
A pousada da ida era bacana, mas meio cara. O dinheiro da viagem já tinha quase acabado, ainda mais com tantos contratempos. E a companhia aérea, que garantiu a estadia na Índia – primeiro em um ótimo hotel, depois em um pulgueiro – nos tinha abandonado completamente. Precisávamos achar outro pouso. 

Pousadas são anunciadas no saguão do aeroporto. As pessoas te abordam com ofertas, de maneira insistente e até agressiva. Ficamos divididos entre duas ofertas; ambas tinham preço bom e, aparentemente, instalações agradáveis. Escolhemos a que parecia ter melhor localização: “Dá pra ir a pé até o mercado de pulgas, uma das atrações mais legais de Joanesburgo. Artesanato africano legítimo, com preço bom. Passeio imperdível”.

Essa era oferecida por uma moça loira de ar meio hippie; a outra, por um negro. Que ficou puto com a escolha: “Só porque ela é branca! Racistas!”. Ficamos putos da vida. “Era mais fácil o contrário, seu bocó. [Teríamos dito “seu bocó” se soubéssemos como, em inglês]. A gente é brasileiro e tem muito mais simpatia por você do que por ela”. Ele não se deu por vencido: “Ela não tem o que promete. Eu daria transporte de van. Ela vai dar transporte?”.

Ela ia dar transporte, claro, estava incluído no pacote. Translado na ida e na volta do aeroporto. “Vamos até o estacionamento. Estou com um carro pequeno, mas já chamei minha amiga para vir ajudar”. 

Depois de um tempo, chegou a amiga. Em carro parecido com um Chevette – beeem velho, com uma remota lembrança do que eram molas e amortecedores. E o carro era, como alguns cães, a cara da dona.

A amiga tinha longos cabelos brancos completamente secos e desgrenhados. O rosto era enrugada como a de uma índia que a Nívea usava nas propagandas antigas, mostrando como o sol fazia mal à pele. Ela era baixinha e encurvada, falava um inglês incompreensível  com voz adequadamente rouca (do ponto de vista da harmonia do conjunto) e fumava, fumava, fumava. Toda ela recendia a cigarro. As mãos tremiam.

Foi um sacrifício botar as malas todas nos dois carros (tínhamos malas enormes); os dois porta-malas não bastaram e tivemos de carregar uma parte no colo. Mas nós também sentamos no colo uns dos outros.

De um outro lugar no estacionamento, o rapaz da pousada e dois amigos, encostados em uma van, nos olhavam fixamente, com um olhar entre irônico e compadecido.

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A pousada era uma herança de família. Uma casa espaçosa, bacana, em um condômino fechado. E clandestina – ali não podia haver nada senão residências, mas isso a moça só avisou quando estávamos chegando. “Se alguém parar vocês, digam que são meus amigos e estão hospedados na minha casa”.

O cheiro de ROUBADA já estava impregnado em nossas narinas. Mas achávamos que era tarde demais para voltar atrás. “É por pouco tempo. Erramos, mas agora vamos encarar. Voltar para o aeroporto agora é arriscado – e se não acharmos de novo aquele rapaz? As outras opções eram caras e ruins”.
 
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A primeira visão da casa foi o jardim – descuidado. A segunda, a piscina: VERDE. A água. Parecia um pântano.
“Tudo bem, a gente não pretende usar a piscina”.

Por dentro, a pousada parecia uma república. Uma zona. Pela porta entreaberta de um quarto, a dona da pousada cumprimentou o namorado: deitado de roupa sobre a cama desarrumada, chamavam atenção as solas do seu pé: PRETAS de poeira.

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Precisávamos cuidar do nosso Natal. Primeiro, fomos a um Shopping Center, o único lugar disponível para compras. O shopping tinha realmente de tudo – Bancos, supermercado? Só lá. Nos tais dos condomínios, até o comércio e serviços são confinados.

Compramos frutas secas, vinho e velas. Descobrimos que eles ali cobravam pelas sacolas plásticas, um dos primeiros sinais de “modernidade ecológica” no país.

Combinamos de fazer um amigo secreto com presentes comprados no Mercado das Pulgas – a maior razão da escolha pela malfadada pousada. Valor máximo: o equivalente a 5 dólares. Estávamos todos duríssimos.

O mercado era o máximo, dava dó não poder comprar muitas coisas (que, se pudéssemos não teríamos nem como carregar). As peças de artesanato eram lindas e os vendedores, divertidos, acostumadíssimos a lidar com turistas estrangeiros. Nós nos separamos, escolhemos os presentes e voltamos à pousada. Nesse meio tempo, ligamos para a companhia aérea, conforme combinado, e fomos orientados a ir para o aeroporto na manhã seguinte – TALVEZ houvesse lugar no vôo.

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À noite, não havia ninguém à vista na pousada. Os 3 ou 4 outros hóspedes sumiram; a dona da pousada e o namorado estavam trancados no seu quarto. A sala da casa era toda nossa. Vasculhamos os armários da cozinha e achamos pratos, copos e travessas. Montamos nossa “ceia”, apagamos a luz, acendemos as velas, criamos um clima. Pensamos nas pessoas queridas, fizemos nossos melhores votos, trocamos os presentes, demos muita risada. Os mineiros eram muito, muito engraçados. Ao longe, à meianoite, estouraram alguns fogos.

Fomos para a cama logo depois; precisávamos acordar antes das seis da manhã para ir ao aeroporto. Assim que levantamos, liguei para São Paulo – a Julia estava chegando à casa da avó para dormir, quase chorando de saudade da gente. Eles falavam de nós quando abriram a porta e o telefone tocou... #Aquelascoincidenciasincríveis. (Fazer ligações internacionais não era fácil ali).

Mas nossos problemas ainda não haviam acabado. A dona da pousada tinha prometido nos levar – o translado estava incluído, certo? – junto com sua indefectível amiga. E quem disse que a amiga chegava? Quando finalmente chegou, muito atrasada, nos fazendo quase enfartar de nervoso, ela pediu dinheiro para abastecer, uma vez que estava muito duro e o tanque estava quase vazio.

Mas voltamos, naquele dia mesmo, ao Brasil. Com quatro dias a mais de África do Sul do que planejávamos inicialmente muito mais histórias do que jamais podíamos imaginar. 

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