sábado, 19 de junho de 2010

Recuerdos da África do Sul - 1


Passei duas vezes por Joanesburgo – na ida e na volta de uma viagem para o Nepal, em dezembro de 2003.

Era pra ser só uma conexão (São Paulo – Joanesburgo – Mumbai – Nova Delhi – Katmandu), mas acabou sendo uma estadia. Na dia, porque nos impediram (eu, meu marido e uma amiga) de embarcar: “Vocês não tem visto para entrar na Índia? Então não posso deixá-los seguir viagem”.

Em São Paulo, tínhamos sido informados de que o visto era desnecessário, uma vez que não chegaríamos a pisar fora do aeroporto. Mas, segundo o funcionário da companhia aérea, era necessário sim. E se nós chegássemos lá e não nos deixassem entrar, nós seríamos meio que deportados de volta, e ia sobra para eles.
Morrendo de frustração – eu ia para uma cerimônia religiosa no Nepal, a cremação do meu mestre budista, que começaria no dia seguinte – ficamos retidos em Joanesburgo, fazer o que?

Primeiro passo, encontrar um lugar para ficar – escolhemos uma pousada perto do aeorporto. Segundo, descobrir os horários de funcionamento do consulado da Índia e como chegar lá. Logo descobrimos que seriam no mínimo 48 horas de espera – o pedido era protocolado em um dia e o visto só era emitido no dia seguinte (e custaria uma grana preta, acho que US$80).

Então fomos passear...

A primeira impressão de Jo’burg foi muito esquisita. Parecia uma cidade feita de condomínios fechados, com casas de alto padrão e ruas lindas, arborizadas e ajardinadas, e favelas – sem meio termo. Fora dos condomínios, aridez, obras, poeira. Obras com trabalhadores sem a menor proteção - capacetes, botas ou mesmo, em alguns casos, sapatos.

 “Temos tempo. Como podemos sair daqui?”. Queríamos pegar um ônibus. “Não tem... Tem vans, mas elas não servem pra vocês. E os táxis também não são muito bons”, disse o filho do dono da pousada, um rapagão loiro, muito simpático e gentil. (Tivemos medo de perguntar o que ele pensava do apartheid e ele falar qualquer coisa a favor... Medo).

Ele acabou nos levando ao consulado. “Agora queremos andar pelo centro da cidade”. “Não! Ninguém vai ao centro”. Ele não sabia nem como chegar, teve olhar no mapa. Vinte anos de idade e nenhuma ida ao centro.

Não nos deixamos intimidar, claro. Muita gente também diz a estrangeiros para não irem ao centro do Rio ou de São Paulo... Ele acabou nos deixando no Museu do Apartheid e ficou preocupadíssimo com nosso futuro. Insistiu para que ligássemos para a pousada na hora de ir embora – se sobrevivêssemos.

***
Se a cidade é estranha, o centro não deixava por menos. Prédios imensos e modernos, muitos de instituições financeiras, ao lado de edifícios abandonados. De novo, apenas os extremos. Nas ruas, bo parte do comércio era protegido com grades, como as de algumas lojas de conveniência que funcionam a noite toda e impedem a entrada dos clientes. As transações eram feitas na calçada mesmo.

Havia camelôs pra todo lado, o que nos era bem familiar. O curioso era a quantidade de vendedores ambulantes oferecendo... penteados. Um cardápio mostrava mil modelos de tererê  (trancinhas enfeitadas) que seriam feitas ali mesmo, no meiofio. Também surpreendia o número de cobertores vendidos na rua – vibrantes, coloridos. Se tivesse como carregar, eu teria comprado um...

***
Na chegada e na partida do centro, dois episódios bizarros. Primeiro, com um guia de viagem na mão, vimos uma sugestão de passeio no Soweto: “Fulano de Tal é o melhor cicerone. Conheço tudo, poliglota, simpático. Para contato com ele, ligue para ....”. “Se der tempo, vamos?”. Descemos da van  conversando e fomos abordados por um sujeito falando português: “Olá, brasileiros? Prazer, sou sou fulano de tal, se quiserem posso levar vocês até Soweto”. Era o cara do guia!!

Acabamos não indo. Já era tarde, preferimos visitar mesmo o museu e andar um pouco pelo rua. Na hora de ir embora, teimamos: pedimos informações sobre trens e ônibus. Se os joanerburguenses usam o transporte coletivo, por que não nós?

Paramos MUITAS pessoas na rua,  todas negras (só se viam negros no centro). NENHUMA sabia informar. E desaconselhavam fortemente: “Não façam isso. Chamem um carro por telefone”. Insistimos. Abordamos uma pessoa em um posto de gasolina: “Como chegamos a ...?” (demos o nome do bairro da pousada). O rapaz pensou um pouco e respondeu: “Vocês estão com pressa?”. “Não...”. Ele ofereceu: “Eu vou passar lá perto no caminho de casa. Mas estou com uma amiga ali no carro, também vou dar carona a ela, e nós combinamos tomar uma cerveja antes. Vocês podem nos acompanhar e eu levo vocês – só vou querer uma ajuda pra gasolina”.

Achamos a oportunidade imperdível – não tanto pela carona, embora estivesse começando a anoitecer e o centro ficasse cada vez mais inóspito, mas pela cerveja com eles. Claro que nos entreolhamos e perguntamos: “Será que a gente está entrando em uma daquelas roubadas históricas? Vão nos assaltar e jogar no mato?”. Mas olhamos para ele, para a amiga, e achamos que podíamos ser amigos deles em São Paulo, então fomos. Sou pessimista nata, mas ao mesmo tempo tenho tendência a confiar em estranhos.

***
A cerveja era em um boteco simpático, que mais parecia uma casa (talvez fosse). Sentamos em uma mesa com outros amigos, falamos de África e Brasil, de futebol. O lugar tinha cardápio escrito em uma lousa e um nome de prato em português! ( “Caldo verde” ou algo assim).

Comemos, bebemos e pegamos a carona. A moça desceu primeiro, e depois ele nos deixou em uma avenida a uns 500 metros da pousada. Andamos pela escuridão das ruas ajardinadas – e achamos que ali dava mais medo do que no temido centro.

O filho do dono da pousada quase caiu duro com nossa aventura.

[continua]

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