quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Polícia para os outros, segurança privativa para a USP?

Qdo fiz cinema na USP, mais de uma vez a ECA (Escola de Comunicações e Artes) solicitou, via ofício, apoio à Polícia Militar para nossas filmagens na rua. Nós achávamos isso muito natural. Um dia meu tio - que era funcionário da Detenção no Carandiru, e nem sei se esse detalhe importa - ficou sabendo e achou um ABSURDO. "Deslocar uma viatura do serviço normal pra ficar protegendo filhinho de papai?". (Acho que a profissão é relevante, sim, para explicar o tipo de bagagem que ele carregava e que o tornava assim tão "doce"). Eu e minha mãe discutimos com ele: "Nós estudamos na universidade pública. Estamos lá fazendo trabalho da faculdade. O equipamento é patrimônio público". "Problema da faculdade. Ela que providencie segurança para os alunos".

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A posição do meu tio tem sido a de uma parte - uma parte... - da comunidade uspiana. "Não queremos a PM [aqui dentro]. A USP faz sua própria segurança".

Como já escrevi aqui algum tempo atrás, eu discordo disso. A USP não é um condomínio fechado. Não é uma zona de exceção. Não é um território independente. É uma área pública, composta por centenas de edifícios que são patrimônio público, frequentada por milhares de pessoas que estudam e trabalham lá ou que desfrutam de suas áreas verdes, museus, bibliotecas etc. E é uma área extensa e insegura, porque tem vastas áreas "desabitadas", digamos assim. A maior parte do território da Cidade Universitária é tão vazio quanto as ruas do centro à noite ou no fim de semana. Eu me lembro, quando estudava lá, de visitar amigos na PUC e ficar perplexa com a vida, o movimento, a agitação de uma faculdade "normal". A USP parecia um refúgio na zona rural... Aprazível, sem dúvida, mas muito vazia.

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Um lugar ermo, bastante arborizado, isolado, infelizmente é muito convidativo para a prática de vários tipos de violência. Assaltos, assassinatos, estupros... Andar na USP à noite dá medo. Eu normalmente não tenho um pingo de receio de andar por lugares que apavoram a maior parte das pessoas - cracolândia, Favela do Moinho, Brasilândia à noite etc... Mas já passei medão na USP caminhando de um prédio a outro no escuro. Pensando "E agora? Corro, caminho cantando alto, batendo palma, fazendo coisas inusitadas, finjo que tem um amigo logo ali adiante me esperando?".

Nunca me aconteceu nada, mas já houve episódios terríveis, como o caso recente do aluno da FEA que levou um tiro no estacionamento da faculdade e morreu.

Para prevenir violência desse tipo, há um conceito em voga que eu apoio: delega-se ao Estado o dever de zelar pela Segurança Pública. Em vez de deixar que cada um se defenda como pode, criam-se forças policiais para desempenharem a missão.

Essas forças podem ser bem ou mal preparadas, equipadas, orientadas. Podem ter um comando respeitável ou inaceitável. Podem acertar mais do que errar ou o contrário.

Desde que o Maluf deixou o governo do estado (Graças!), a Polícia de São Paulo tem, em tese ou em princípio, uma orientação menos prende-e-arrebenta e mais calcada nos princípios do regime democrático, em que as instituições tem regras, tem deveres e limites, tem compromisso com as leis do país e algumas convenções internacionais, como a Declaração dos Direitos Humanos... Digo "em tese" porque a gestão de Saulo de Castro me parecia mais próxima do estilo Maluf do que da tradição dos tucanos, em geral muito mais esclarecidos.

Sob orientação de pessoas mais progressistas e humanistas, a polícia ainda comete erros. Mas, como acontece em todas as instituições, a direção faz toda a diferença - começando pelo governador, passando pelo Secretário, Comandante-Geral e daí por diante. Sempre vai haver desvios de conduta, mas a diretriz e o exemplo que vem de cima inibem a má conduta - incluindo, claro, a punição aos delinquentes.

Resumindo: não, a polícia de São Paulo não é perfeita e nunca será, como nenhuma é. Mas melhorou muito nos últimos anos e possivelmente é a melhor do Brasil. (Pelo que eu vejo da polícia de Pernambuco, Pará, Rio de Janeiro... Das outras não tenho muita informação). E se ela for ruim, temos de lutar para que seja boa. Mas não para entregar suas funções para outras entidades.

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O que querem os alunos e funcionários (alguns alunos e funcionários) da USP? Proibir a polícia de fazer patrulhamento do campus e contar apenas com a segurança específica da Cidade Universitária. Por que? Porque alegam que a presença da polícia equivale a voltar aos tempos da ditadura e da repressão e fere a autonomia universitária.

Pó pará. 

A polícia está no Campus para exercer sua função como parte do sistema de Segurança Pública. Isto é, para reprimir o crime e proteger as pessoas e o patrimônio da Universidade.

A PM não está lá para vigiar o currículo dos cursos e o conteúdo das aulas. Para impedir reuniões de caráter político. Para bisbilhotar a produção cultural e determinar o que as pessoas podem ler, ver e ouvir. Para caçar subversivos e subtraí-los da convivência pública. Para espionar professores e ver se ameaçam a ordem.

A presença da PM agora não tem um cazzo a ver com o Regime Militar, o governo de exceção, a ditadura. É uma instituição legítima a serviço da coletividade, zelando pela segurança pública. Inclusive dentro do campus da Universidade Pública.

"Ah, mas essa polícia é uma merda". Insisto que não é, mas digamos que fosse uma merda completa. Então ela vale para nosotros aqui fora, que não temos escolha, mas a USP pode dizer "não, obrigada, fiquem da porta para fora, nós contrataremos nossa própria equipe de segurança"? Comassim?

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Aí a polícia deteve duas pessoas fumando maconha no campus.

A PM pode fazer isso? Sinceramente, NÃO SEI! Fui estudar a nova Lei de Entorpecentes - embora seja muito, muito, muito interessada no tema (ah, vá), não sou nenhuma expert. E descobri, lendo pareceres convincentes de juristas respeitáveis, que há controvérsias!

Para um deles, o porte de entorpecentes para uso próprio configura uma infração "sui generis" - não é crime, não é contravenção... Não é permitido, mas a sanção não é clara, por isso é difícil enquadrar. Para outro, o fato de não ser crime mas também não ser classificada como contravenção deixa o usuário em situação MAIS complicada, porque não permite que seja feita a "transação penal" (substituição de uma pena por outra), já que não há essa "pena" inicial a ser aplicada. Como negociar algo que não existe?

Um deles argumenta que se deve buscar o "espírito da lei". O que quis o legislador? Outro afirma que é impossível e inadequado tentar inferir a intenção do legislador - há que se interpretar o texto da lei e pronto. Vale o escrito.

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Diante disso... O que cabe à Polícia? Por mim, não lhe caberia nenhuma função no que diz respeito ao uso de maconha, mas o que diz a lei? Que ela deve ignorar, passar um sermão, levar para a delegacia para fazer um TC?

Adoraria saber qual é a orientação formal do Estado brasileiro e dos governos estaduais de modo geral.

Agora, a PM pegou duas pessoas fumando maconha. Quis levá-las para o Distrito. Aí começa uma agitação para impedir os policiais de fazê-lo. Há um conflito. A polícia endurece, os manifestantes também. E o desfecho da história é a ocupação de um prédio, o clamor pela destituição do Reitor e a expulsão da polícia do Campus.

A polícia errou? Se apenas deteve os maconheiros, talvez (socorro, juristas). Se foi violenta, errou. Se foi atacada e reagiu, é compreensível. Se reagiu com fúria e violência, errou. Mas certamente agiu melhor do que a PM já fez milhões de vezes por aí - gritar, ameaçar, intimidar, humilhar, dar tapa na cara e cobrar propina.

Os manifestantes erraram? Me parece que sim. Se alguém sabe de alguma coisa que eu não sei, ou de algo diferente do escrito aqui, pode dizer.

Enfim, uns vão me chamar de irremediável maconheira (por que fico me perguntando se a polícia pode/deve deter maconheiros) e outros de reaça, neo-con, direitista etc.

Azar. Prezo muito o direito de falar o que eu penso - e desrespeitar, por meio de ofensas e agressões, opiniões divergentes da sua é o contrário de democracia e manifestação de autoritarismo, não?

10 comentários:

  1. Excelente post, Soninha!


    Mas fomentar o tráfico de drogas consiste em fumar um baseado, cheirar "uma carreirinha"... Se isso não for crime, não sei o que é!

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  2. Concordo plenamente com sua forma de pensar. Local público, do Estado, deve ter policiamento também do Estado. E não estamos mais na ditadura (graçasadeus!) e devemos melhorar a instituição PM, com certeza! Beijos. =)

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  3. Oi Soninha.

    Sou aluna de doutorado na USP. Fiz minha graduação e meu mestrado lá. Frequento o campus (quase todos os dias) a mais de 10 anos.

    Quanto aos últimos fatos tenho a impressão de que tanto manifestantes quanto policiais estão errados.

    Quanto a polícia no campus, quero expor alguns fatos:
    1) Quando o aluno da FEA foi morto a polícia estava no campus;
    2) A USP hoje em dia é BEM movimentada desde de manhã bem cedo até por volta das 21h30. É verdade que existem alguns lugares bem ermos mas de forma geral a USP não é este lugar super violento que as pessoas que NÃO frequentam o campus acham que ela é (eu ando bastante a pé de noite por lá).
    3) Não é que eu seja contra a polícia no campos, mas não acho que a polícia não vai resolver muita coisa se o reitor não cortar o mato alto, não iluminar melhor o campus, não treinar melhor a guarda universitária (que é quem faz a ronda nos entornos dos prédios e dentro dos estacionamentos)....

    O que o reitor fez foi colocar a polícia lá pra dar uma resposta aos jornais, mas da forma como as coisas estão sendo feitas a segurança não vai melhorar significativamente.

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  4. O MEU PONTO DE VSTA O MANIFESTO É LIVRE MAS DEPREDAR UM PATRIMÔNIO PÚBLICO E FAZER OCUPAÇÃO EU CHAMO ISSO DE BARBÁRIE POR PARTE DE ALGUNS ESTUDANTES PORQUE O CAMPUS NÃO TEM NADA A VER COM DESTRUIÇÃO DE UM PATRIMÔNIO PÚBLICO! EU CONCORDO COM MANIFESTAÇÕES E ACHO QUE A ORDEM DA MANUTENÇÃO PÚBLICA TEM DE SER PRESERVADA SIM MAS SEM ECESSOS POR PARTE DA POLÍCIA! E OS MANIFESTANTES TEM QUE SE POR EM SEUS LIMITES POIS A MINHA LIBERDADE COMEÇA QUANDO EU RESPEITO A LIBERDADE DE OUTREM! CERTO QUE OS ANIMOS FICA A FLOR DA PELE,O CLIMA FICA TENSO MAS TEM QUE HAVER UM CONTRÔLE MENTAL DA PARTE DOS CIVIS E DOS ESTUDANTES OU ENTÃO ESTA INVALIDANDO OS DIZERES DA BANDEIRA NACIONAL ORDEM E PROGRESSO TEMOS QUE SER PATRIOTAS E RESPEITAR AS REGRAS E A LEI RESPEITAR A LEI! OU ENTÃO TUDO FOGE DO CONTRÔLE E FICA DIFÍCIL DE SEGURAR! CONCORDAM COMIGO OU NÃO?

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  5. Acho que você tem toda razão. Sobre a maconha, segundo alguns amigos me contam, existe hoje uma permissividade dos policiais desde que você não esfregue a maconha na cara deles. Imagino que os rebeldes sem causa e metidos a revolucionários, em verdade burros de plantão, devem ter abusado bastante para serem detidos. Ou talvez tenham feito de propósito exatamente para criar essa situação.

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  6. ILMA. VEREADORA, BOM DIA.
    SOLICITO ACESSAR ALGUNS PORTAIS
    WWW.ESCOLAPROTEGIDA.COM.BR WWW.GIASESSEG.BLOGSPOT.COM , WWW.ONDEMORAOPERIGO.BLOGSPOT.COM E WWW.ESCOLAPROTEGIDA.BLOGSPOT.COM ( QUADRO NEGRO ), MEU CURSO DE SEGURANÇA EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO ESTÁ NO WWW.SLIDESHARE.NET/ULISSESNASCIMENTO
    TENHO TRABALHADO DURANTE ANOS PARA A PREVENÇÃO DO CRIME E DA VIOLÊNCIA EM ESCOLAS E UNIVERSIDADES, FUI COORDENADOR DO GIASES DURANTE 5 ANOS, E O ASSUNTO É COMPLEXO. CASO QUEIRA ME LIGAR, FIQUE A VONTADE.

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  7. A invasão da reitoria é um crime. Mesmo se fosse num colégio estadual, com alunos menores de idade,haveria punições se alguém ousasse fazer algo semelhante na diretoria, por exemplo. Mas na USP nada vai acontecer com esses marmanjões. A Universidade ainda faz concessões, reconhecendo os infratores como interlocutores,dando um espaço para negociar que os alunos que NÂO destroem o patrimônio da universidade nunca tiveram ou terão. Portanto esses meliantes,que não respeitaram decissão da assembléia de seu próprio reduto,a FFLCH, se sentem vencedores. Se na primeira invasão ocorrida anos atrás houvesse a punição adequada e merecida aos alunos invasores e eles fossem banidos definitivamente da universidade, esses acontecimentos grotescos não se repetiriam.

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  8. vamos aguardar as proximidades das eleições e vamos observar todos os candidatos pois não podemos mais cometer erros que cometemos no passado. tivemos uma regressão de valores sociais quase que irreversível não podemos votar por votar mas sermos observaddores e analizar cada proposta de todos os candidatos não podemos ser ludibriado com falsos projetos que não visa sanar os poblemas públicos de são paulo e de todo brasil.o eleitor não pode se deixar levar pelas emoções e nem pelas aparências pois as aparências dos partidos enganam e visam não beneficiar a clsse geral popular mas interesses próprios e de empresários que estão a beira da falência e o único momento que o povo a sociedade tem o poder nas mãos pra decidir é no dia do voto nas urnas! por isso fiquem atentos com promessas fantasiosas! um abraço a todos os internautas de são paulo e de todo o brasil! até breve!

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  9. A posição do STF é que manda, ou seja, é crime... Algum jurista ou tribunal pode ter uma visão mais "liberal", mas até que a lei seja alterada pelo legislativo, está escrito, nos crimes e penas:

    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm

    CAPÍTULO III

    DOS CRIMES E DAS PENAS

    Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

    I - advertência sobre os efeitos das drogas;

    II - prestação de serviços à comunidade;

    III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

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  10. Eu já tenho uma outra dúvida. A presença da PM na USP já é de algum tempo, e creio eu, não é a primeira vez que ela presencia alunos fumando maconha dentro do campos. Ou seja, estou especulando, mas aposto que há uma vista grossa da polícia nestes casos.
    Entretanto, porque desta vez foi diferente? Houve algum tipo de denúncia? Alguém se incomodou?

    Outro ponto que eu queria destacar, é que está muito comum entre os que não apoiam a PM no campus de que a USP é uma autarquia. Auto lá! Isso não quer dizer que ela está fora das responsabilidades públicas, que é um estado independente. Isto significa que ela tem autonomia administrativa, principalmente no que diz respeito aos seus recursos.

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