terça-feira, 22 de novembro de 2011

A USP, a USP, a USP...

Deu no Twitter:

Conceição Oliveira

“A gente não quer a polícia fora do Campus a gente quer a polícia fora do mundo”

Li o post e achei ponderado, civilizado, desapaixonado. Tem lado, claro - favorável aos ocupantes da reitoria. Isso não é problema, as pessoas tem o direito de ter um lado e de escrever em defesa dele.

Tem muita coisa lá a que não me oponho; destaquei aqui apenas os pontos dos quais discordo. A eles:

Os alunos temem represálias da reitoria que já persegue vários estudantes e funcionários com processos administrativos, daí esconderem o rosto. O fato de os fotógrafos e câmeras não respeitarem o medo real dos estudantes dificulta ainda mais a relação dos manifestantes com a mídia institucional.

 Na Federal de Rondônia, manifestantes também esconderam o rosto nesse modelo "rebelião na cadeia", e achei péssimo. Lá, eles alegam sofrer ameaças de morte - bom, aí a coisa muda de figura, mas ainda assim me causa má impressão. Prefiro as máscaras dos Anonymous (rs), mas deixa pra lá. O que realmente merece ser discutido, aqui, é o seguinte: a reitoria "persegue" estudantes e funcionários com "processos administrativos"? A reitoria tem tanto direito de abrir um processo quanto os estudantes e funcionários tem de solicitar abertura de sindicâncias etc... Seguidas as normas institucionais para abertura de processo, tomada de depoimentos, direito à defesa e ao contraditório, beleza. É assim que se faz no mundo das instituições democráticas. Os que se sentem prejudicados vão atrás de seus direitos conforme os ritos e as normas estabelecidos. Se as normas forem consideradas injustas, desiguais, desequilibradas, 'bora brigar. Se as normas forem justas mas desrespeitadas, 'bora brigar. Do contrário... 'Bora acusar e se defender dentro do sistema.

Segurança tercerizada do Campus, como quase tudo hoje na universidade. (Legenda de uma foto no blog)

 Pois é... Ou é "terceirizada" ou é uma força própria e exclusiva da universidade - são essas as alternativas caso o patrulhamento não seja feito pela Segurança Pública.. Eu prefiro que o patrulhamento ostensivo em área pública, em nome da segurança das pessoas que por ali circulam, fique a cargo da força policial do Estado - no caso, a Polícia Militar.

“Enquadro” é o termo que os uspianos usam para se referir às revistas da polícia militar no campus. Eles denunciam o aumento dessas investidas policiais, assim como de outros episódios como o de uma catraca abandonada na reitoria pega por um aluno para fazer uma instalação e polícia e guarda universitária tomaram-na e a catraca está no lixo!

"Enquadro" é o nome que se dá às revistas policiais em qualquer lugar... O "aumento dessas investidas" é necessariamente um problema? Se uma pessoa é morta a tiros dentro do campus, acredito que uma das funções da polícia seja revistar os transeuntes à procura de armas, por mais desagradável que seja ser revistado (é uma merda, ninguém gosta). E não se pode esperar que a Polícia reviste apenas os... "usual suspects", né? Os pretos, os pobres, os mal vestidos... É chato, mas os "bonitinhos", os "boyzinhos", os bichos-grilos, os acadêmicos tem de ser "enquadrados" também. Se os PMs forem escrotos no enquadro, pau neles. Pau metafórico, viu, pessoal?  Tem de denunciar na mídia, na corregedoria, na OAB, na Pastoral, na Cúria Metropolitana, na ONU. Isso vale para enquadro na Cidade Universitária, na Augusta, no Capão ou na Brasilândia.
Sobre o episódio da catraca... me parece uma bobagem que não justifica paralisação, invasão, greve.

O que mais me chamou a atenção na fala desses jovens foi o fato de não burocratizarem o papel da universidade como um lugar de conseguir um prestigiado diploma. Esses jovens querem muito mais, argumentam que a universidade como lugar privilegiado da pesquisa, reflexão e pensamento precisa potencializar essa discussão, professores, estudantes, funcionários têm de ser agentes do debate sobre segurança pública, repressão etc. não apenas no espaço do campus, mas fora dele.

Claro. Mas não foi convocado um debate, reflexão e pesquisa sobre segurança pública, repressão, etc. Houve uma sublevação contra a detenção de três maconheiros que virou ocupação e protesto exigindo a saída da polícia do Campus e a renúncia do reitor. Debate está havendo "aqui fora", nos jornais, nas faculdades, nos blogs.

Esse discurso surpreende porque ele é ridicularizado, espezinhado tanto pela esquerda como pela direita que não cansa de repetir ‘isso é tão anos 60, isso é tão anos 80. O pragmatismo neoliberal da direita que transformou a universidade numa grande fábrica de produção em série sem reflexões transformadoras ou o pragmatismo da esquerda institucionalizada nos partidos que se encastelam nos seus centros acadêmicos e depois se surpreendem quando chapas de extrema-direita vem para a disputa não permitem espaço para sonhos. Aliás esses jovens que ocupam a reitoria não acham que o fato de lutar por mudanças concretas para a democratização da universidade seja sonhar. Para eles isso é função de estudantes, professores e funcionários que desejam uma universidade verdadeiramente pública.

Mas quais são, exatamente, as "mudanças concretas para a democratização da universidade" pelas quais eles lutam? Não estou sendo irônica, não é uma pergunta retórica. Quais são? Além de "eleição direta para reitor", que acho que é uma das reivindicações, o que mais se reivindica? No começo do governo Serra, um dos questionamentos dos manifestantes era sobre o decreto que obrigava a publicação da Execução Orçamentária da USP da forma como os órgãos da administração direta são obrigados a fazer. "Isso fere a autonomia universitária!", diziam. Oi??!!

Nós nos solidarizamos com a família do Felipe‘ (o estudante assassinado durante um assalto na área bancária da USP) e argumentam que o fato de se oporem à permanência da polícia militar no campus não significa que ‘estão se lixando para a morte do Felipe‘. E mais uma vez tecem críticas duras à PM: a polícia mata e reprime nas favelas, mata a população negra, “a polícia é também agente de violência, nós somos pensadores temos de levar essa discussão para a sociedade. ‘Nós temos convicção que a polícia não resolverá o problema da educação“. E prosseguem falando sobre a terceirização da segurança pública, denúncias de lavagem de dinheiro e a mídia que estereotipa o movimento.

Então... "A polícia mata e reprime nas favelas?". PAU na polícia (aquele - metafórico, institucional). E em todo mundo que mata e reprime nas favelas, inclusive os bandidos. Fico puta com o endeusamento da bandidagem. São uns babacas, covardes, opressores, "justiceiros", que vão pra cima dos velhinhos, das mães, dos trabalhadores, das crianças e adolescentes com suas armas, seu terror. Mas não se fazem raps mandando os bandidos tomar no c. [Desculpem, são momentos de raiva reprimida]. Enfim, quando a polícia é "agente de violência", ela está ERRADA, completamente ERRADA, e tem de se punida com muito rigor. Mas a polícia tem seu papel em uma sociedade que concede ao Estado algumas tarefas - e eu sou a favor de delegar ao Estado a responsabilidade pela Segurança Pública, incluindo a responsabilidade pela formação de uma instituição com porte de arma. Eu, ao contrário de boa parte dos estadunidenses, não quero que os cidadãos sejam livres para terem, portarem e usarem armas para se defender, eu quero que essa responsabilidade fique com uma instituição do Estado. Eles são liberais ou neoliberais, eu sou socialista. E é claro que a polícia não "resolverá o problema da educação", santo deus!, e nem está lá pra isso. 

Na fala dos manifestantes é constante a denúncia do autoritarismo da gestão da USP: processos administrativos e criminais contra estudantes e funcionários é realidade após cada manifestação. Para eles a presença da polícia passa ao largo da segurança pública, porque ela está a serviço da repressão dos que se opõem ao autoritarismo do Reitor.

Então... Abrir processos administrativos e criminais não é exatamente sinônimo de "autoritarismo", se os processos forem conduzidos corretamente. 

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Para concluir (por enquanto, porque também quero discutir esse assunto mais e mais):

- Sou a favor da existência de Polícia e, ao contrário do que pensei quase a minha vida toda, acho que a organização do tipo militar talvez seja a melhor forma de lidar com armas, em função da rígida disciplina e hierarquia inerentes a esse sistema - mas isso é matéria pra seminário, congresso, simpósio, painel, tese de mestrado e não pra cá. E pode até ser que eu mude de ideia de novo, mas ultimamente tenho pensado assim.

- Sou a favor do patrulhamento, pela polícia, do espaço PÚBLICO que é a Cidade Universitária, desde que ela se atenha a cumprir lá dentro as funções que lhe cabem aqui fora, sem se meter em nada na vida acadêmica propriamente dita.

- Sou a favor da mudança na legislação para que a produção e comércio de maconha sejam legalizados e, portanto, deixem de ser monopólio de bandidos e possam acontecer conforme normas já estabelecidas na sociedade moderna, com algumas permissões e várias obrigações e restrições. Eu sou antitabagista mas não sou contra a Souza Cruz - quero é que ela seja fiscalizada com rigor. Prefiro a Santa Cruz vendendo tabaco ao CV ou o PCC.

- Sou a favor de tirar da polícia a permissão/obrigação para deter quem estiver usando maconha sem colocar em risco outras pessoas (fumar e dirigir, beber e dirigir, cheirar e dirigir são formas de colocar em risco outras pessoas). Mas isso precisa ficar claro na legislação - se porte de maconha for sujeito a penalidades alternativas, a polícia continua encarregada de levar os maconheiros ao DP, é isso? Porque se for isso, a gente pode até achar que é bobagem, que os PMs poderiam bem fazer vistas grossas e não sair atrás de maconheiro, MAS o comando da polícia não pode dar essa ordem para os seus comandados.

- Sou a favor de uma universidade pública que sirva ao conjunto da sociedade. Uma universidade que não pertença aos alunos, aos funcionários, aos professores, aos governantes, mas à população como um todo. Uma universidade com recursos financeiros suficientes, estrutura física decente e recursos humanos de qualidade. Uma universidade com COMPROMISSO. Esse compromisso implica em transparência, participação e controle social.

Quero que a sociedade possa ter conhecimento sobre a quantidade de aulas não dadas e não assistidas. Sobre o absenteísmo de alunos e professores. Sobre a picaretagem das listas de presença. Sobre os acordos informais de "eu finjo que fiz o trabalho e você finge que leu". Sobre as condições precárias de algumas instalações. Sobre a burocracia enlouquecedora. Sobre a permanência no Crusp (moradia) de quem já não teria direito a ficar lá. Sobre o dinheiro jogado fora em materiais e equipamentos deteriorados. Sobre as insuportáveis condições de mobilidade dentro do Campus. Eu estudei na USP, eu vi tudo isso, não li no jornal não...

Não tenho muito tempo disponível, mas tenho paciência infinita para continuar discutindo. 

2 comentários:

  1. Senhora Soninha, como vai... Espero que saboreie o vídeo:

    http://www.youtube.com/watch?feature=player_detailpage&v=0YGB5u2u8kA

    Gasshô!

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  2. Soninha, estou reproduzindo o comentário que fiz na matéria da band.com:

    "Fico feliz de ver que está madura em sua campanha e quero acreditar que sua vontade de entrar na política vai de encontro com os anseios reais da juventude, que abaixa o preconceito e pede democracia real para todos.
    Já é 30 de novembro e continuo vendo equívocos da mídia em relação ao caso da USP.
    Espero que voce, Soninha, já esteja a par da situação que envolve política e não maconha.
    As rondas na cidade universitária diminuiram no período da noite. A polícia estava fazendo revistas em bibliotecas. Isso já estava pra acontecer, eles (a polícia) estavam procurando um confronto direto.
    O fato é que existe por trás desse convenio Policia x USP , é o novo modelo de universidade proposto pelo reitor Joao Grandino Rodas, que PRIVATIZA a USP. A polícia está lá dentro para reprimir manifestações políticas dos estudantes que querem impedir este processo.
    O que está acontecendo na USP é um retrocesso histórico. Na época da ditadura, a muito custo, foi garantido o direito de debate de idéias e livre pensar, dentro da universidade excluindo a militarização que tanto matava, de lá de dentro.
    A militarização hoje ainda oprime, julga, humilha e mata. A polícia é instrumento de repressão do estado e o prejuízo da presença do estado dentro da universidade é incalculável.
    O que os alunos da USP hoje lutam é por democracia dentro e fora da universidade e não reação por causa de estudantes fumando maconha. Isso é para confundir o debate. Isso é o que eles querem que a sociedade pense.
    Não deixe a mídia manipular suas manchetes tendo sempre o foco da maconha, pois existe um largo debate acerca de assuntos da sociedade que a população deve saber que voce tem no foco.
    Parabéns pela entrevista, vou tentar acompanhar mais seu trabalho."

    Agora gostaria de comentar uma parte desse seu texto acima.

    Penso que do mesmo jeito que é dever do estado da educação para o povo (e não cobrar), é dever do estado dar educação para a sua POLICIA.
    Essa instituição que serve para proteger a sociedade, não a protege. Protege apensas seus interesses (corrupção ou milícia) ou ao interesse do estado (pode-se incluir ricos e políticos).
    Estamos falando de dar armas nas mãos das pessoas que eu diria, as menos capazes para possui-las.
    O que deveriam ensinar nas academias, era que o policial fosse o amigo do cidadão passando na rua, do JOVEM, que tanto quer um mundo melhor, ou do pobre que sofre no nosso sistema vigente.
    O que vejo no polícial é o status de terror. Um acima da lei com uma arma na mão. Ou até como dizia marcelo D2, o esquadrão da morte oficial se voce não servir para a "sociedade" que ele defende.
    Quando tivermos políciais inteligentes, capacitados e com pleno conhecimento em DIREITOS HUMANOS, aí sim posso concordar contigo de dar uma arma na mão desse cidadão para lhe creditar minha segurança.
    Obrigado
    Bruno

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