quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Vagas preferenciais

A política de cotas tem razão de ser - mas está perdendo (a razão). Daqui a pouco termos 110% das vagas reservadas para cotistas.

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A cota é uma "forçação de barra", uma medida de emergência para compensar em curto prazo algo que só seria (será, espero) corrigido de verdade a médio ou longo prazo. É um pouco prático - e muito simbólico.

Começando pelos negros: por mil razões históricas, conjunturais, culturais, econômicas e políticas, no Brasil eles são sub-representados no "topo da pirâmide": boas universidades públicas e ensino superior completo de modo geral. Pense aí: quantos médicos, psicólogos, advogados, dentistas, juízes, jornalistas, engenheiros negros você conhece?

Se alguém acha que isso é porque negro não se esforça o suficiente, nem adianta continuar lendo, temos diferenças inconciliáveis.

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Entre a razão prática (colocar mais negros nas universidades públicas porque eles precisam de uma força do poder público para chegar lá) e a simbólica, eu fico com a simbólica. É importante garantir AGORA que haja determinada porcentagem de negros na USP para criar, na marra, uma presença e convivência maior entre nós clarinhos (é, eu sou branca...) e os mais escurinhos. Se você olha para a Universidade de São Paulo e o espectro de cores é igual ao de uma universidade europeia, tem alguma coisa errada. E a representação da sociedade na USP é um pouco meritocrática e um pouco arbitrária. Explico.

O tal do vestibular, para começar, é uma ideia cretina para selecionar quem tem e quem não tem direito de estudar lá. PRA QUE uma prova ridiculamente abrangente e igual (com os pesos diferentes, ok) para todos os cursos?

Qdo prestei vestibular, ficava possessa de raiva de ter de estudar, 5 anos depois de ter terminado o colegial, Matemática, Química, Física e Biologia em detalhe e profundidade desnecessários ou inúteis apenas para conseguir uma vaga no curso de Cinema.

Como havia apenas 15 VAGAS, a nota de corte era altíssima. E Cinema constituía uma carreira em si, isto é, lá pelas regras da Fuvest, não havia direito à segunda opção - coisa que outros cursos permitiam. Isto é: não passou, tá fora, todo seu esforço foi inútil.

Portanto, entraram na faculdade de cinema os mais capazes em Matemática, Física, Química, Biologia, História, Geografia... P., isso é arbitrário ou não é? Que critério mais estúpido! Talvez o 16º colocado na Fuvest tivesse muito mais interesse e "aptidão" para cinema do que o primeiro colocado, com suas habilidades especiais para memorizar conteúdo ultrapassado e responder perguntas de múltipla escolha.

Eu fui uma das primeiras colocadas, e nem por isso acho o processo seletivo menos ridículo.

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Já que é arbitrário sim; já que 15 vagas em cinema são preenchidas por quem obteve melhores notas em uma prova estúpida, acho que é válido reservar uma parte dessas vagas para negros. Acrescentar esse ingrediente à mistura.

Creio que, enquanto vigir a política de cotas para negros, isso deve ser usado como critério de desempate ou bonificação. Se não me engano, na Unicamp é (ou era) assim. Negro? Ponto extra. Estudou em escola pública a vida inteira? Ponto extra (senão vai ter gente fazendo o 2º semestre do 3º colegial na escola pública só pra ganhar vantagem, pensa que não?).

Tem problemas? Opa, claro que tem. Acho que foi no Barraco que um pai disse: "Olha, eu ME MATEI, sacrifiquei muitas coisas para pagar escola particular para o meu filho. Ele também se sacrificou muito, se matou de estudar. Ele fica em desvantagem?"

Ai ai. Por isso talvez seja melhor mesmo restrigir as cotas para negros, e por prazo determinado. E como condição inicial que ele tire a nota mínima necessária para passar - digamos, 60% de aproveitamento no processo seletivo. Aí ele pode fazer jus à preferência na fila; sem nota mínima, não. Do contrário não é justo com ele, não é justo com a universidade, não é justo com a sociedade se for realmente um favorzinho para alguém que não teria condições sozinho.

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Sem esquecer de mudar o vestibular.

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Sobre a cota instituída agora de 50% para alunos de escola pública: é a CONFISSÃO de que, dez anos depois de governo do PT, o sistema público de educação em todo país continua RUIM ou PÉSSIMO. Tanto é que o Mercadante disse que cota tem de ser medida temporária, que daqui a dez anos (juro que ele disse isso, dez anos) ninguém tem de precisar de cota. Vê se pode.


3 comentários:

  1. Soninha, como se classifica alguém como negro? Pela cor de fato? Pelos genes, pela ascendência? Meu bisavô por parte de Pai era negro. Eu tenho genes, traços, mas eles foram misturados com a outra parte da minha familia, polonesa e espanhola. Sou pardo e minha irmã loira de olho azul. Sou mais negro do que ela? Como consigo um atestado de cor? O SUS irá fornecer estes atestados de graça? Meu plano de saude cobrará por isso?

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  2. Sou contra as cotas! mas esta foi a primeira vez que consegui ler uma defesa desta prática sem me embrulhar o estômago no meio do caminho. A questão das cotas é muito complicada, ainda mais em um país onde a pobreza e falta de oportunidades não tem uma cor específica, é uma mistura. Se for pra fazer uma gambiarra,fingir que estamos resolvendo com um passe de mágica algo que vai levar muito tempo e investimento, que façam as cotas com base em critérios sócio-econômicos APENAS, sem olhar a cor da pele de ninguém.

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  3. Olha, geralmente é por autodeclaração... Não precisa chegar ao ponto do teste de DNA. Até porque a discriminação é baseada em aparência, certo?

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