terça-feira, 27 de novembro de 2012

X9 ZS

Helena, minha diarista, mora em um CDHU na Zona Sul.

Outro dia o sobrinho dela foi assassinado quando chegava de moto à casa da namorada. "Motona, rapaz bonito... Ninguém sabe se foi ciúme, se foi à toa, se confundiram ele com policial. Trabalhava como garçom em evento, era muito querido".

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Além da violência galopante, tem as tensões cotidianas. Os "nóias", as brigas entre vizinhos, as ameaças.

E o desrespeito disseminado.

"A vizinha alugou o apartamento dela (no CDHU) e construiu uma casa pra ela no terreno em frente (que é da CDHU). Ganha dinheiro com o aluguel, o bar que ela construiu também, não paga luz, não paga água...."

"Outro dia um senhor vizinho nosso estava começando uma hortinha no terreno em frente. Vieram uns caras com um revólver pra cima dele - "Metade do terreno aqui é CDHU, a outra metade é particular". Como é particular se agora estão fazendo uma escola? Uma parte é CDHU, uma parte é do estado!".

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Armas, armas, armas. Como é fácil ter.

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Afilhada dela veio para São Paulo fugida da miséria e violência no interior da Paraíba. A história de como ela conseguiu chegar a Campina Grande e depois a São Paulo é daqueles épicos que a literatura "da seca" já escreveu um par de vezes.

Estuprada lá - coisa difícil de admitir - chegou a São Paulo e rapidinho "se perdeu". Bebia vinho vagabundo com as amigas, dormia na rua, caía no funk, sumia.

Tinha dores atrozes, sangramento. Médicos atendiam a menina como se fosse algo que o gato tivesse pegado no lixo e arrastado até a Unidade de Saúde. Um chegou a falar do nojo que sentia (vou perguntar para a Helena para relembrar as palavras exatas). Tomou um senhor esporro de outro médico que a atendeu dias depois, mais doente do que da primeira vez, quando ele soube da "fineza" do colega.

Pessoas FAZEM diferença. Tem um governo, um sistema, um Secretário, um Coordenador etc. Mas se o filho da p. que tem o diploma, o registro no Conselho, está de plantão e atende os pacientes não tiver um pingo de honestidade, compostura, decência, respeito, nada mais faz sentido.

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A afilhada usa crack. Engravidou e teve nenê com pouco mais de seis meses de gestação. Mirradinho, tamanho da palma da mão, ficou incubado semanas.

O pai (do bebê) é doido pela menina (a menina-mãe). É um garoto também... Apaixonou-se por ela, "vou tirar você desse lugar" (a rua).

A criança saiu da UTI neonatal e a mãe... Não sei se sabem do paradeiro. O moço queria cuidar da mãe também, mas se não dá, quer cuidar da criança, criá-la em sua casa, junto com a avó.

Mas...

Para adotar, teria, parece, de entrar na fila. Para provar que é mesmo o pai, teria de fazer DNA. Inscreveu-se no sistema público; prazo previsto: dois anos.

Enquanto isso, o bebê iria para um ABRIGO.

Por DOIS ANOS, imagine.

Não sei por que graça de Deus, a menina, me parece, acabou assinando um documento em que afirma que é ele o pai, portanto pode ficar com a guarda provisória até a confirmação oficial.

Talvez eu esteja contando a história errado. Acompanhei em capítulos, ao longo de muito tempo. Mas por mais errado que esteja meu relato, não tem nada mais errado que a história em si.


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