quarta-feira, 6 de março de 2013

Vamos falar de calçadas?

Deu no site da prefeitura (grifos meus)

O prefeito Fernando Haddad anunciou que pretende enviar na próxima semana à Câmara um projeto de lei que irá alterar o sistema a fiscalização e recuperação de calçadas irregulares. A prefeitura dará prazo de 30 dias para o cidadão realizar os consertos antes de cobrar a multa. A verba arrecadada com as multas aplicadas será usada para arrumar a calçada que foi reprovada na fiscalização.

Parece, pelo anúncio, que Haddad vai tomar medida nunca vista na história deste país... O prazo de 30 dias existiu até 2011. Segue um resumo da legislação sobre calçadas nos últimos anos:

- Lei 10.508 de 1988, promulgada por Janio Quadros, "dispõe sobre a limpeza nos imóveis, o fechamento de terrenos nãoedificados e a construção de passeios". Ela estabelecia que: 

Art. 14 - As irregularidades constatadas serão objeto de notificação aos responsáveis, que deverão saná-las no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias.

Não sanadas nesse prazo, resultariam em multa ao responsável.

Lei 14.675 de 2008 mantinha essa regra, foi o valor da multa que mudou.

Art. 5o Em caso de descumprimento ao disposto no art. 4o desta lei, o responsável pelo imóvel será notificado para sanar as irregularidades no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de aplicação da multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) por metro linear de passeio danificado, corrigido anualmente pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo - IPCA, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou por outro índice que vier a substituí-lo.

- A Lei 15.442 de setembro de 2011, que vigora, foi a que reduziu esse prazo:

Art. 11. O descumprimento das disposições desta lei acarretará a lavratura, por irregularidade constatada, de autos de multa e de intimação para regularizar a limpeza, o fechamento ou o passeio, conforme o caso, no prazo improrrogável de 30 (trinta) dias
Mas...
Art. 16. Contra a aplicação das multas previstas (...), caberá a apresentação de defesa, com efeito suspensivo, dirigida ao Supervisor de Fiscalização da Subprefeitura, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir da data da publicação 
 
Resumindo:  

Até agosto de 2011, o responsável tinha 30 dias para arrumar sua calçada. Se não arrumasse, tinha de pagar a multa. Com a "lei do Kassab", a multa passou a ser aplicada imediatamente, assim que constatado o problema (art 14) mas o cidadão tinha 15 dias para recorrer e pedir a suspensão da multa (Art. 16). O prazo era menor (e sim, eu prefiro os 30 dias, contratar e executar uma obra não é assim tão fácil), mas dar o prazo para consertar não é uma ideia incrível, inédita, novo modo de governar. É só mudar para o modelo anterior.

E por que ele mudou? Porque o mundo inteiro - associações de bairro, imprensa, cidadãos comuns - reclamava do péssimo estado das calçadas em São Paulo e questionava: "Não é responsabilidade do proprietário? Então por que a prefeitura não fiscaliza?"

Na SubLapa eu recebia muitas reclamações, porque ninguém arrumava nada mesmo... Reconhecendo que as normas podiam ser complicadas para o pobre "cidadão comum", fizemos uma cartilha simplificando a legislação e compartilhamos de todos os meios (site, blog, tuíter, newsletter) os links para explicações, cartilhas, perguntas frequentes etc.

Depois de informar, esclarecer, incentivar, mandamos os agentes vistores a campo para aplicar as notificações. Que, pelo sistema "inteligente" da prefeitura, demoravam MESES para chegar até o responsável pelo imóvel. Aí ele tinha os tais 30 dias para arrumar, senão levava multa. Adiantou?

Mas a lei do Kassab CONTINUAVA tendo problemas, que comentarei abaixo, a partir do Projeto de Lei enviado pelo Haddad à Câmara.  

 ***
Aí estão as alterações propostas por Haddad:


O Artigo 14, que era assim:


Na hipótese do não atendimento da intimação nos prazos estabelecidos no art. 11 desta lei, nova multa será aplicada por irregularidade constatada. 
Parágrafo único. A multa prevista no "caput" deste artigo será renovada a cada 30 (trinta) dias até que haja a comunicação do saneamento da irregularidade ou a constatação da regularização pela Administração Municipal. 

Ganha um parágrafo novo, que é o que cancela a multa aplicada 30 dias antes:

Parágrafo segundo: A regularização da limpeza, fechamento ou passeio, devidamente comunicada à Subprefeitura competente, tornará sem efeito a multa que tenha sido aplicada, nos termos desta lei, nos 30 (trinta) dias antecedentes à comunicação"

Comentário:

1 - Na regulamentação (decreto, portaria), a prefeitura precisa estabelecer um processo ágil de notificação e deixar bem claro como deve ser a "devida comunicação".

2 - A multa será renovada a cada 30 dias, caso a calçada não seja arrumada. A única que poderá ser cancelada é a última. No caso de agências bancárias, grandes edifícios comerciais ou residenciais, hipermercados etc, ok. No caso daquele morador que já não tinha dinheiro para arrumar desde o começo, a possibilidade de ele CONSEGUIR arrumar - que é, afinal, o objetivo - fica cada vez menor. Esse era um problema sério da lei do Kassab e continua sendo no projeto do Haddad.

***
O Artigo 16 era assim:

Art. 16. Contra a aplicação das multas previstas nos arts. 8º, 11, 14 e §1º do art. 20 desta lei, caberá a apresentação de defesa, com efeito suspensivo, dirigida ao Supervisor de Fiscalização da Subprefeitura, no prazo de 15 (quinze) dias, contados a partir da data da publicação do edital referido no §2º do art. 12 desta lei, excluído o dia do início e incluído o dia do vencimento. 

O que mudou? Apenas a primeira frase, que ficou assim - "...multas previstas nos arts. 8º, 11, 14, §1º do art. 19 e §§1º e 3º do art. 20 desta lei..."

O que é o art 19, contemplado agora com a possibilidade de recurso em 15 dias?



Art. 19. A abertura de górgulas sob o passeio, para escoamento de águas pluviais, o chanframento de guias, e o rebaixamento de guias, para acesso de veículos, serão executados pela Prefeitura, mediante requerimento do interessado e pagamento dos preços devidos, os quais serão calculados com base nos custos unitários dos respectivos serviços e atualizados em consonância com a legislação vigente.
§1º As pessoas físicas ou jurídicas que realizarem os serviços de que trata o "caput" deste artigo 19 incorrerão em multa correspondente ao triplo do valor do preço do serviço, atualizada anualmente pela variação do índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou por outro índice que venha a substituí-lo. 

Comentário:

Se é proibido fazer (tem de pedir para a prefeitura) e as pessoas o fizerem, serão multadas. Mas podem recorrer... dizendo o que? "Eu não fiz! Não fui eu!". Estranho. 

E o §3º do Art 20, que antes não era contemplado e agora é? Vou ter de reproduzir o artigo inteiro, senão não dá para entender.


Art. 20. A Prefeitura providenciará, sob sua responsabilidade, o rebaixamento da parte dos passeios necessária ao acesso de pedestres, nas travessias sinalizadas e nos canteiros centrais das vias públicas. 

§1º Fica vedada a instalação dos mobiliários urbanos de que trata o art. 8º desta lei junto a rebaixamento vinculado às travessias sinalizadas, sob pena de multa constante do Anexo Único integrante desta lei.
§2º O mobiliário existente, que prejudique o acesso de pedestres ou dificulte a sua visibilidade ou de motoristas, será removido pela Prefeitura ou, por sua determinação, pelo órgão responsável.
§3º O descumprimento ao disposto no "caput" deste artigo acarretará ao infrator multa no valor de R$ 1.000,00, atualizado anualmente pela variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo - IPCA, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, ou por outro índice que venha a substituí-lo.

Portanto, se tiver uma lixeira, orelhão etc obstruindo a parte da calçadas rebaixada para a travessia de pedestres, o responsável será multado. Em no máximo 15 dias ele pode entrar com recurso pedindo o cancelamento da multa. Ele diria, por exemplo, "Já tirei"! Aí eu concordo.

***
A última alteração proposta pela prefeitura é no Art. 17. Na lei atual, é assim:

A Prefeitura poderá, a seu critério, executar as obras e serviços não realizados nos prazos estipulados, cobrando dos responsáveis omissos o custo apropriado, acrescido de 100% (cem por cento), sem prejuízo da aplicação da multa cabível, juros, eventuais acréscimos legais e demais despesas advindas de sua exigibilidade e cobrança. 

Isso continua igual. O que o Projeto de Lei do prefeito propõe é um parágrafo novo:

O valor pago a título de multa poderá ser deduzido do débito referente à realização de obras e serviços pela Prefeitura, mencionado no caput, até o limite do valor deste débito, vedada a restituição do valor excedente da multa.

Comentário:

A intenção é boa - garantir que a multa paga reverta em obras que melhorem as próprias calçadas. Mas a ideia é meio enviesada.

Não se trata de recolher o valor das multas em um fundo específico que sirva para obras de calçadas - o que seria perfeito. O que o Projeto de Lei estabelece é o seguinte:

- Eu (Prefeitura) te dou 30 dias para arrumar a calçada.
- Você não arruma, eu aplico uma multa.
- Passam-se mais 30 dias, você ainda não arrumou. Eu aplico outra multa (e assim por diante).
- No fim, eu decido que vou fazer a obra que você não não fez e cobro a despesa de você. Mas aquela multa que você pagou, eu uso pra te dar um desconto, vai.

Não é "meio" esquisito? Eis alguns problemas da medida:

- Você foi multado porque descumpriu - uma, duas, dez vezes - uma ordem da Prefeitura. A multa é uma penalidade. Mas quando a Prefeitura vai lá e faz ela mesma o serviço, eu transformo a penalidade em um pagamento seu pelo serviço. O princípio da penalidade é afrontado: durante dez meses, um ano, eu (munícipe) deixei o povo tropeçar e cair. Paguei multa. Aí a Prefeitura faz o que eu devia ter feito e não fiz nesse tempo todo, mas me dá um desconto...

- E se o munícipe não pagar a multa, muito menos o serviço? Quais são as penalidades/

- E se o munícipe não tiver a menor condição de pagar a obra, a multa ou o serviço da Prefeitura? Existe algum recorte de valor do imóvel, por exemplo, ou é igual pra todo mundo? Porque o Itaú pagar uma multa e depois ter desconto é bem diferente do seu Zé da Venda.

- E a tramitação disso, não é complicada demais? Paga multa, emite o boleto de pagamento com a multa descontada... Enfim, se eu achasse a ideia boa, isso era o de menos, tinha de resolver e pronto.

***
O que eu proponho então???

Que em vez de fazer esse caminho todo - manda fazer, cobra multa, cobra de novo, resolve fazer e cobrar com desconto - é muito melhor que a Prefeitura se antecipe e assuma logo o conserto de calçadas. Até porque em alguns casos, por mais que o proprietário do imóvel queira arrumar, está fora do seu alcance! A largura é indecente, tem um poste de luz, placa de trânsito, caixa de fibra ótica, poço de vistoria, boca-de-lobo... É a Prefeitura quem tem de botar ordem nisso tudo.

Alguns seriam cobrados pelo serviço - como já adiantei, grandes estabelecimentos comerciais e residenciais. Os pequenos comércios e residências não seriam onerados.

E a multa, cruel no projeto que vigora, segue inalterada. Durante a campanha, a diretora de uma creche veio me pedir ajuda pelo amor de Deus: por causa de um buraco (ela me mostrou), tinha sido multada em 10m x R$1.000. E se não arrumasse o buraco em um mês, a multa aumentaria. "Se eu tivesse dinheiro já teria arrumado o buraco! Como é que vou ter DEZ MIL pra multa?"

***
Em outro post, vou ressaltar alguns bons aspectos inalterados pela proposta do prefeito. A gente tem de vigiar.

   

Um comentário:

  1. Porque é proibido que a própria pessoa faça obras de rebaixamento para veiculo e escoamento de água? Não seria melhor criar um padrão e então multar as pessoas que saíssem desse padrão? Ou é impossível fazer esse padrão, ou seja, cada calçada exige um planejamento único? Fico imaginando alguém esperando meses para conseguir guardar o carro na garagem porque a prefeitura ta demorando para fazer a obra...

    Com relação as multas que se convertem em desconto nas obras. Concordo plenamente que o melhor era a prefeitura ir la, resolver a situação e depois mandar a conta. Mas no fim acho que um do motivos de multar antes é fazer um "fundo municipal para calçadas" informal. Duvido que a prefeitura tenha dinheiro para assumir todas as obras que a cidade exige. mas concordo com voce, prejudica muito o sentido de penalidade...

    E nossa, deviam ter a muito tempo regulamentado o valor das multas. Absurdo um morador residencial pagar o mesmo que um condominio ou um supermercado pelo mesmo problema na calçada. Deviam estipular tetos pelo valor do imovel. Seria o jeito mais justo.

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