terça-feira, 31 de março de 2009

"Suspeito"?

Em várias entrevistas e debates durante campanhas eleitorais, critiquei o tratamento simplista dado às doações de campanha. O raciocínio sempre presente na cobertura de jornais, acompanhamento de ONGs e até no discurso de alguns candidatos (como Ivan Valente, que sempre fazia essa observação) é quase sempre assim: se recebeu doação (especialmente de uma empresa), tem o rabo preso.

Simplista, maniqueísta, raso, hipócrita.

Porque um político pode exercer seu mandato de maneira desonesta, beneficiando este ou aquele, independentemente de ter recebido doação de campanha... (Ou doação declarada).

E um político pode receber doação de uma empresa ou empresas de determinado setor, sem que isso signifique que seu mandato estará a serviço delas.

Ou será que as empresas tem interesse APENAS em políticos desonestos?

Sim, a desonestidade pode facilitar as coisas para elas quando alguém se rende ao pagamento de propina, mas complica muito a sua vida quando se manifesta na forma de "pedágio", extorsão.

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A corrupção da política está intimamente ligada à corrupção no setor privado. Mas isso não quer dizer que todos na política e todos no setor privado sejam corruptos; que todo doador de campanha e todo aquele que recebe uma doação estejam atados por más intenções.

Claro que se podem fazer ligações - a "bancada da bala", patrocinada pela indústria de armamentos, defendeu o "não" no referendo (sobre a proibição do comércio de armas)... E, quer saber, não há nada de necessariamente ilícito nisso. Se o deputado tem uma linha de pensamento que coincide com o interesse da indústria das armas, ele atrairá doações delas para sua campanha e as representará no Congresso - acreditando que está defendendo o que é melhor, mais certo.

Eu votei e defendi o "sim" no referendo; se uma organização antiarmamentos patrocinasse minha campanha, não seria natural?

Agora, se um deputado deliberadamente favorece a Taurus porque será pessoalmente beneficiado com isso, muda tudo.

Eu sei que a diferença parece sutil demais, mas não é.

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Não resisti a escrever sobre isso agora, apesar de não ter tempo como gostaria para desenvolver melhor o tema, porque acabei de ver uma foto do Nabil Bonduki, ex-vereador pelo PT, em uma matéria sobre a Camargo Correia na Band. Ele recebeu doação de campanha da empreiteira - seu nome aparece em um telefonema grampeado.

Parece que ele cometeu um crime. No mínimo, que é suspeito de alguma irregularidade. Qualquer um mais ou menos distraído pode pensar: "Aí está, mais um pilantra!" (se não conhecer o Nabil), ou "Até tu, Nabil!" (se o conhecia e tinha em boa conta).

Mas isso é um ABSURDO.

A TV nem se deu ao trabalho de verificar se a doação foi oficial - tendo sido, qual o sentido de ilustrar a transcrição de um grampo telefônico com a foto do Nabil, como se fosse a revelação de uma tramóia???????? (Eles colocaram essa informação em terceira pessoa - "Marcio Thomas Bastos, advogado da empresa, diz que a doação foi oficial").

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É tão danosa essa conclusão de que "doação de campanha = segundas intenções" que acaba desestimulando as doações - as doações bem intencionadas! Muita empresa séria (ou pessoa física) não quer doar para político nenhum para não ficar mal vista. Ou, se botar fé em um candidato, prefere mil vezes fazer a doação "por fora", para não se ver envolvida em confusão.

Tá tudo errado.

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Quem quiser, pode verificar minha prestação de contas de campanha em 2006, neste link: recebi uma doação de R$40 mil da Camargo Correia. Eles fizeram o depósito e nós emitimos o recibo.

Quando um amigo disse, na época, que a empreiteira gostaria de contribuir com a minha campanha, porque eu tinha sido recomendada por uma pessoa de confiança deles como boa candidata, eu quis recusar a doação. "Putz, já estamos apanhando tanto [no PT], já estão metendo o pau no fato de eu querer ser deputada agora ["carreirista!"], vou receber doação de empreiteira?".

Mas eu logo vi que era um ato "heróico" inútil; eu sabia muito bem que não faria nada no meu mandato para favorecer esta ou aquela empresa, e que seria muito fácil acompanhá-lo e ver se isso era verdade ou não. E me acostumei a fazer e dizer as coisas em que acredito, mesmo que pensem mal de mim por causa delas. Azar.

Aí está, portanto. Talvez eu devesse deixar esse assunto bem quietinho no seu lugar, mas toda injustiça me irrita. E eu achei o fim da picada ver o Nabil sob suspeita na televisão. Tanta campanha desonesta por aí, tanta compra de voto quase descarada, tanto dinheiro público desviado para clientelismo eleitoral e agora o problema é ele ter recebido doação da C.Correia... Tenham dó.

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Tem uma expressão em inglês que eu adoro: "Barking at the wrong tree" (latindo para a árvore errada). Em política, acontece o tempo todo.

12 comentários:

  1. Soninha, tenho uma visão política diferente da sua, mas que se cruza em diversos momentos.
    Excelente texto, tanta coisa errada nesse país...e tão pouca gente com coragem pra pôr o dedo na ferida.

    Parabéns.

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  2. A PF precisa tomar muito cuidado com estes
    vazamentos.

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  3. Não deve ficar quieta não. É nesse momento que deve se expressar e se indignar sim, pois quem é honesto ficar verdadeiramente indignado diante de uma calúnia.

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  4. Soninha,
    Do jeito que as coisas são no presente, concordo com o seu ponto de vista. Muitas injustiças são cometidas por causa de algumas "laranjas podres". Porém, não seria mais eficaz abolir de vez a doação dinheiro de empresas para campanha política? Não seria melhor designar um espaço comum e igual para que todos candidatos possam declarar suas idéias e ideais em condição de igualdade? Não seria melhor que o candidato conquistasse o direito de representar a população pelos méritos ideológicos e identificação popular ao invés de uma boa rede de influências, seja ilícita ou lícita?

    No caso do referendo, acho que o nosso sistema político já possui dispositivos suficientes para que os nossos representantes defendam o que acham certo, sem precisar de ajuda financeira tanto da indústria de armamentos, como de uma possível ONG.

    No meu entender, o ato de receber doação legal de uma empresa que você não tenha nenhuma identificação pessoal, não faz sentido e pode fazer mal. Tenho certeza que se fosse eleita, você não seria corrompida e favorecia a Camargo Correa, mas também tenho certeza que em algum momento alguém da empresa pensaria em te "lembrar" da doação em troca de algum favor. Para mim, este ato fomenta o pensamento corrupto, por mais que não seja levado as vias de fato...

    Como dizem os mais velhos ( e nós para os mais novos): é melhor prevenir do que remediar!

    De qualquer forma, gosto muito do seu jeito de praticar política e me identifico com quase 100% do que você pensa e diz. O restinho, podemos concordar em discordar! :-)

    Manda ver Soninha!

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  5. Sonia, essa do Nabil só não me surpreende porque conhecendo a imprensa, sabe-se que os caras gostam de desvirtuar tudo. O rastro "certo" tá indo pra um partido e eles vão "sem querer" pra outro. Logo o cara dos projetos sócio-culturais tá sendo "ligado" com os políticos Engenheiros de concreto podre.
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    Mas esse negócio de doação é medieval, cara. Vou ser simples, rasteiro e superficial: um candidato não precisa de ninguém para patrociná-lo além de suas experiências, trabalhos e propostas.
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    Agora, construtoras, empreiteiras... E o que é que a galerinha gosta de mostrar nas campanhas?... Ponte, estrada, prédios... Vou fingir que não tô entendendo.

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  6. Rádio Bandeirantes AM? NO programa dos velhinhos retóricos-casca-grossa? Aqueles Salomão, Zé Paulo e Joelmir, que era bom antes disso, sifaisfavoire, como os Lusitanos, Soninha, e troca de emissora!!!!

    Deusa te livre e aos ousados todos de cair na língua ferina maliciosa e retrógrada do trio calafrio.

    Eu, hein?

    Aproveita a rima e manda esses malas pra puta que o pariu.

    Amém.

    Que país é esse? É a porra do Brasil.

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  7. Mais uma vez concordo com tudo que disse.

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  8. Pra mim você é a preciosa exceção que só faz confirmar a regra. Não me fio em partidos e não acredito em independência onde o poder econômico influencia resultados. O fato é que, tivesse o TRE e o TSE isenção e culhões, pra ser claro, não restava um. Não me esqueço das irregularidades na campanha do Kassab. Que fim levou a representação do MPF? Não me esqueço da intragável simpatia paternal do olhar desdenhoso e acomodado do Chinaglia ao ouvir você defendendo transparência, por ocasião da análise do resultado do segundo turno das eleições daqui, na RecordNews, como se seu discurso fosse mera retórica para as novas gerações. Isso sim é hipocrisia, minha cara. Enfim, me lembro sempre de como sou tratado como idiota a cada dia que abro os olhos.

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  9. Soninha,
    Gostei bastante desse post. Muito oportuno.
    Mesmo um político ético precisa receber doações. Senão, como ele iria fazer político? Como dinheiro do próprio bolso não seria possível.
    A capacidade de atrair o apoio, financeiro inclusive, das pessoas a quem pretende representar é, a meu ver, o primeiro teste a que se submete um candidato, e é um teste bem importante.
    T+

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  10. Geraldo,
    Realmente, com o nosso atual sistema político, é difícil se eleger sem ajuda financeira.
    Porém, não é por que as coisas são do jeito que são que não se deve pensar em alternativas melhores, não é?
    Não acho que atrair apoio financeiro seja um mérito e/ou um requisito de um bom político. Afinal, eles deveriam estar lá puramente para representar o eleitorado legislando, julgando ou delegando da melhor maneira possível por um interesse comum.

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  11. Soninha ,lamento mas você é ingênua ou você quer justificar o injustificável.
    Você quer dizer que a Camargo Correa não faz doação sem algum interesse por trás?
    Você acha que eles dão 40 mil assim por pura boas intenções que encontrou no teu rosto lindo??
    Porque o dono dessas construtoras nunca aparecem na mídia , nas baladas da sociedade, nas páginas sociais?
    Oh Soninha , não justifique o injustificável, diga as coisas sem ter vergonha de assumir. VOCÊS TEM SIM RABO PRESO COM ESSAS EMPRESAS!!!Ninguém é santo neste mundo.
    E dsculpe se eu fui muito duro na crítica.

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  12. Que bom rever a Soninha das antigas!

    Belo texto!

    abraços

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