segunda-feira, 1 de março de 2010

Ainda é construção e já é ruína

Coluna do Fernando Barros e Silva no sábado: “Ruína em construção SÃO PAULO - "Equipamentos abandonados - como um playground e uma quadra de basquete e futebol - deixam vestígios de que ali um dia já houve um jardim público". Publicada pela Folha no início deste mês, a frase constava de reportagem sobre a praça Ana Maria Poppovic, na avenida Paulo 6º, continuação da avenida Sumaré, a poucos metros da estação Sumaré do metrô. O título já dizia tudo: "Praça no Sumaré vira vazio urbano com mato alto e lixo espalhado”.Uma arquiteta que costuma fazer jogging na pista do canteiro central da avenida comentava: "Sempre esteve assim. Cercado como está, mais parece uma propriedade particular abandonada".

Quem lê (leu) a matéria imagina um cenário horroroso na Praça Ana Maria Poppovic – “mato alto, lixo espalhado. equipamentos abandonados”...

Quando o repórter escreveu a matéria, a parte freqüentável da Praça tinha grama de um palmo de altura, no máximo. “Freqüentável” por que? Porque o terreno começa largo, com uma quadra e brinquedos infantis, e vai estreitando... (Veja aqui ). Estreitando a tal ponto que não há muito que fazer nela.

E aqui há um ponto interessante a ser discutido: o que é “praça”. Porque nós aqui (em São Paulo, talvez no Brasil) chamamos qualquer coisa de “praça”. Um bico de terreno, uma rotatória, uma alça de acesso a um viaduto – “Praça”.

São áreas verdes, importantes para manter a permeabilidade do solo, o descanso do olhar na paisagem, o microclima. Mas “praça” supõe algo mais – um lugar para estar, para fazer alguma coisa ou não fazer nada. Aqui, não – chamar um lugar de “praça” é a oportunidade para homenagear alguém, mais do que de oferecer uma área de lazer e convivência.

Voltando à Ana Maria Poppovic – a área verde vai se estreitando de tal maneira que vira só uma... área verde, permeável etc. Com solo encharcado, porque ali brota água. Então o bico é cercado e isolado do resto, por decisão de alguém – não sei quem – que achou que era melhor cercar. Compreensível.

Só que a cerca é frágil e fácil de furar. Pessoas invadem aquele bico para fazer triagem de material reciclável, comer, dormir, usar como banheiro... Então a gente tem dificuldade de manter o lugar limpo. Limpeza de lugar público é como louça em casa: lavou, sujou. Lavou, sujou. Serviço sem fim. Se alguém passar antes (ou logo depois) da limpeza, verá tudo sujo – e “abandonado”.

E a área “freqüentável”? Não está mal, não. Tem os brinquedos de playground e tem uma quadra. Que estão “abandonados” por quem? Por todo mundo, porque quase ninguém usa. E não usam por que?

Boa pergunta. Em parte, porque a localização não é das melhores do ponto de vista da “pedestrabilidade”. É perto do metrô, mas é meio longe. É junto a uma via quase expressa, com suas 4 pistas (contando a de moto) e seus 60km de velocidade máxima. E, admito sem nenhum problema, não é convidativa.

Eu moro ali ao lado, às vezes caminho na Sumaré, já fui com as minhas filhas até o Zilda Natel (ladeira acima) mas não fiquei nem cinco minutos na Ana Maria. Ela não tem charme, não tem magnetismo.

Quadras em condições piores costumam ser mais disputadas, mas ela fica ociosa a maior parte do tempo. Talvez porque seja um bairro de classe média, em que as pessoas não tem o “time da rua” – ou preferem alugar uma quadra com chuveiros e lanchonete (e boa iluminação). Mas de dia também usam pouco... Enfim, falta interesse.

Algumas pessoas já pensaram em maneiras de despertar o interesse. Um grupo apresentou o projeto “Praça dos Cães”, muito legal – antigamente, havia ali equipamentos para adestramento/ exercícios com cachorros, e eles queriam refazer de modo melhorado, até mesmo com espaço para palestras e aulas sobre posse responsável, sem falar em um biodigestor de cocô de cachorro.

Por mim, podem fazer, mas precisamos de $$. Se rolar um patrocínio...

Uma faculdade propôs utilizar a quadra algumas vezes por semana para as atividades esportivas de seus alunos – e, em troca, cobrir a quadra, deixando-a disponível o resto do tempo para a comunidade. Ótimo!, eu disse. Mas não aconteceu nada.

Um produtor cultural sugeriu cobrir a quadra e realizar shows ao cair da tarde, com transmissão ao vivo pela internet. Adorei a idéia, mas ainda não aconteceu nada por aí também. Vale o gerúndio – estamos estudando, buscando recursos, “tentando viabilizar”.

Segue a coluna do Fernando.

Numa cidade como São Paulo, nem é preciso dizer que a prefeitura tem problemas muito maiores e mais sérios para enfrentar. Por outro lado, se nem as coisas comezinhas são resolvidas...

Concordo!

São Paulo tem problemas maiores e mais sérios etc. etc.

Mas as coisas comezinhas precisam ser resolvidas. E eu quero morrer com a nossa incapacidade de manter o mato todo cortado em todos os lugares ao mesmo tempo.

Mas o que chama a atenção neste (des)caso exemplarmente trivial não é isso -e sim a mistura, que parece muito característica da cidade, entre progresso e deterioração.

Não se trata do abandono de uma região que foi preterida em benefício de outra, como ocorreu, criminosamente, com o centro histórico de São Paulo. Trata-se, antes, do que Caetano Veloso sintetizou num verso: "Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína".

Não é apenas a praça precocemente degradada; se olharmos bem, a própria avenida Sumaré é o exemplo típico da obra que não se sabe ao certo se já se decompõe ou ainda não foi concluída.

Por volta de 1970, com cinco anos de idade, eu acompanhava fascinada da janela de casa os tratores abrindo o leito da avenida. A visão atual da praça vandalizada ou das encostas da Sumaré cheias de capim materializa, como nenhuma outra, a sensação de viver numa cidade em que construção e ruína, progresso e abandono se embaralham e confundem numa coisa só. Fico até na dúvida se devo cobrar Kassab ou... Pedro Álvares Cabral.

Discordo da “visão atual da praça vandalizada”, que de novo dá idéia de um cenário Mad Max muito pior do que realmente está (mesmo com os restos da seringueira que caiu com a chuva e ainda não foram retirados... São bonitos até, mas dão um ar melancólico). Mas o resto, a reflexão sobre se nunca ficou pronto ou já está em decadência, é muito boa. E é um pouco das duas coisas.

A bendita ciclovia que começou e nunca terminou (é uma passarela desconectada de todo o resto, não uma via para locomoção) e já está detonada, implorando por piso novo, sinalização, iluminação...

Os imóveis comerciais que deixam a avenida meio deserta à noite... O trecho das nascentes, logo depois da praça, que ao mesmo tempo é uma reserva desejável de verde e um terreno baldio...

São muitos os corredores assim – nem bonitos nem feios, a um passo de uma coisa ou outra, divorciando da beleza e paquerando a feiúra... E, como “São Paulo tem problemas maiores e piores”, fica mais difícil investir muita energia do poder público neles. Perto do Jardim Marisa, a Vila Anastácio, o Jaguaré, o entorno da Ceagesp e a Barra Funda, a Sumaré parece Manhattan. Horrível para quem conhece bem de perto, linda para quem vem da Brasilândia ou do Capão e só está de passagem...

Mas preciso dar um jeito na “minha” Sumaré. Se alguém quiser ajudar com um milhão de reais, facilita muito.

Trilha sonora do post

8 comentários:

  1. Soninha,

    Concordo com a análise. Nós do Boa Praça estamos tentando justamente reverter esse dilema digno de Comercial de Biscoito: as praças não são ocupadas porque estão detonadas e estão detonadas porque ninguém ocupa. Vc que já teve oportunidade de ver o nosso trabalho de perto, pôde constatar que, mesmo as praças com menos vocação para a convivência, podem se transformar em lugares de encontro se a comunidade agir. Para mim, cada praça tem um perfil diferente e poderia ter usos diferentes. A questão é achar essse usos. Mas para isso só tem um jeito: tentar. O Boa Praça está tentando mas às vezes sentimos que agimos sozinhos. A Sub tem dado apoios pontuais, mas será que não conseguiríamos fazer um trabalho mais permanente???

    Abs,

    Ricardo Ferraz

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  2. Soninha,

    você tem razão: há elementos que fazem uma praça ser convidativa ou não. E há lugares chamados de praças que não passam de área permeável. A questão é que, mesmo um parquinho bem montado, com mato cortado, não garante que exista ocupação ou uso. Porque as pessoas em São Paulo acham que rua é "de ninguém", praça é "de ninguém" - e não de todos. Porque todos consideram que correm perigo. O grande trabalho é justamente mobilizar as pessoas em volta das praças e mostrar a elas que a ordem inversa é eficaz: quanto mais gente, menos perigo, mais diversão, menos degradação. Para isso, nem precisa de tanta grana. Com cerca de R$ 200, o Movimento Boa Praça tem levado, todo último domingo do mês, entre 100 e 200 pessoas para 2 praças da Lapa cujos equipamentos estão mais detonados que os da Av. Sumaré. É uma pena você desanimar ou "não saber a quem reclamar, se Kassab ou Pedro Álvares Cabral". O segredo é a gente parar de perder tempo procurando culpados e arregaçar as mangas para ver o que dá para fazer. Porque dá. Só assim a ruína volta a ser construção.

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  3. Como moradora do centro "velho" da cidade, entendo perfeitamente. Aqui, é meio estranho pensar que ainda é o "estar em construção", mas é muita mais estranho pensar que já é ruína. O que o povo não ocupa, desocupado fica. E, já diziam os antigos, coisa desocupada é oficina do diabo. Seja lá quem ou o quê ele seja.

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  4. Cara Soninha, que tal pegar o dinheiro que pagamos de impostos (Como o IPTU)? acredito que com o valor de metade dos prédios da rua onde eu moro vc levanta um milhão para arrumar essa praça e muitas outras. Afinal, é para isso que pagamos impostos não?

    Alías saiu no jornal da gente que o recém inaugurado parque Orlando Villas Bôas (Vila Leopoldina) tbm está abandonado. Acredito que faz parte da sua função "cuidar" disso não??

    Ou vc deseja que a iniciativa privada administre a cidade inteira ??

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  5. Ricardo Ferraz,

    Temos de fazer um trabalho permanente, mas um dos dramas de Subprefeitura é conciliar o trabalho reativo, de solução de problemas já instalados, com o trabalho “preventivo” e de promoção de bem estar, qualidade etc. A gente já tem uma rotina dura, em que não dá conta dos problemas “normais” – poda corriqueira de árvores, por exemplo. Aí vem uma ventania que derruba 45 em um dia só; um deslizamento que abala 15 eucaliptos enormes que precisam ser removidos... Esses são casos reais e recentes, não exemplos fictícios. Na Amadeu Decome, por exemplo, nosso agrônomo avaliou que as cem árvores precisam de algum tipo de intervenção. Em princípio, nenhuma delas oferece risco, mas precisam todas de poda. Então ficamos presos no inferno dos apoios pontuais – e, como você sabe, estamos sempre descobrindo o pé para cobrir a cabeça. Veja bem, eu não acho isso certo – só não tenho instrumentos para transformar pra valer essa situação. Um deles seria mais dinheiro – muito mais dinheiro. Não resolveria todos (falta de educação e civilidade, por exemplo – lixo em lugar errado, vandalismo), mas já ajudaria muito. Que fazer? Vivo implorando dinheiro... Nesse ponto, Subprefeitura não é muito diferente de uma ONG que bate à porta dos órgãos do governo pedindo apoio. Com deveres e responsabilidades com que ONG nenhuma no mundo precisa arcar...

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  6. Acredito no que vejo. E o que vejo. Ruas esburacadas, no meu bairro Jaguaré está instransitável, até caminhão reclama.
    Falta de sinalização, pças com mato a 2m de altura, entulhos e lixo espalhados.
    Eu e muitos por aqui varremos nossas portas,colocamos o lixo no horário, só que o caminhão passa quando quer, da mesma maneira a única lotação que roda por aqui. ESTUDANTES mulheres(estudantes de Pedagogia na maioria), que saem da UNIBAN FIZO AGUANGUERA/Osasco linha pq. continental/Lapa estão andando a pé correndo riso pq o final da última aula não tem mais condução. Um absurdo. È assim que vive os moradores do Jaguaré. Isolados, condenados a própria sorte.
    Lamentável, acreditar em quem ?

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  7. O título da coluna é realmente exagerado. Pois sou frequentador da praça Ana Maria Poppovic e prefiro comemorar o local como grande vitória do bairro do que achar "pêlo em ovo", afirmando que a "praça" está em ruínas. Sou esqueitista da região (não tão da região assim) e sei como foi importante a construção dessa área que vem recebendo a manutenção adequada sim!!!
    Quanto ao Vitor, vc acha que o dinheiro do IPTU realmente vai pras mãos da Soninha?? A SubLapa é gigante, e se vc está afim de fazer algo de útil pelo parque Orlando Villas Bôas (Vila Leopoldina), providencie uma roçadeira e corte o mato de lá vacilão.

    Valter Alegre

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  8. devanir
    oi soninha,e um prazer comentar no aqui seu blog
    olha ,eu te acompanho desde da epoca que vc trabalhava na cultura nao perdia um so pograma seu e sempre achei vc super capaz e agora entao poderosa b
    olha procurei no orkut por vc e achei tres mas nao sei qual deles realmente e o seu, gostaria de pedir a vc se possivel passar pra min seu orkut e se possivel seu msn,pois gostaria muito de poder seu seu amigo e teclar com vc.
    desde ja agradeco pela atencao e respedito e deixo meu email pra se possivel vc me enviar seu contato no orkut e msn ,ok.
    devanir_2010@hotmail.com
    grato!!!

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