Curitiba tem problemas

Na minha paixão cada vez maior por política urbana, estou lendo a publicação "Cidades Inovadoras - Curitiba 2030 - Todos pelo Bem-Estar", e copiei aí embaixo alguns dados para comentar depois (agora preciso ir para o Espaço Matilha Cultural, para debate com o diretor de um documentário sobre a resistência tibetana à ocupação chinesa - detalhes aqui)

(Hoje é 4 de maio - vou escrever alguns comentários, como tinha prometido acima)

População estimada: 1.851.215 habitantes (IBGE, 2009)

Ver a população de outras capitais sempre me deixa abismada com a capacidade de São Paulo sobreviver. Aqui são 11 milhões. Só cinco estados tem população maior que a cidade - que ainda sente o impacto, claro, da população da Região Metropolitana (mais de 20 milhões). 1 em cada dez brasileiros vive na Grande São Paulo. Diante desse fato elementar e monstruoso, a cidade é um milagre. Tem um milhão de problemas, mas é um prodígio ao mesmo tempo.

Digo isso porque às vezes parece que São Paulo é o pior lugar do Brasil. Como se só aqui tivesse problemas - buraco na rua, enchente, ônibus lotado, favela, congestionamento, população em situação de rua... O morador de São Paulo é muito exigente, até porque a cidade o faz assim. E se não fosse, sabe lá em que estágio estaríamos. Somos briguentos, inconformados, enjoados. E também somos esforçados, persistentes, resilientes, fortes. Mas nem sempre defendemos a nossa cidade com a paixão com que outros brasileiros defendem as suas.

Vem gente do Brasil inteiro fazer a vida em São Paulo e fazer São Paulo. A cidade merecia um pouco mais de carinho de todo mundo, coitada. Mas apanha tanto... Já não tem mar, Corcovado, essas belezas assombrosas. Muitas das que tinha estão bem escondidas pelas construções... Mas tem um vigor impressionante.

Enfim, voltemos a Curitiba.


Uma das grandes inovações da cidade, motivo de reconhecimento internacional, é seu sistema de transporte público, que se apoia na chamada Rede Integrada de Transporte, composta por Linhas Estruturantes e Linhas Complementares Urbanas (...). Modelo largamente reproduzido em outras cidades do mundo, o sistema de transporte urbano de Curitiba enfrenta o grande desafio de superutilização da rede, tornando o sistema incapaz de atender a demanda em horários e trajetos específicos, pois, com o grande crescimento metropolitano, o centro e os bairros limítrofes esgotaram sua capacidade, dando início ao modelo de ocupação da periferia. Como, todavia, ainda se verifica a concentração de oferta e serviços na região central, isso tem impacto direto na qualidade de transporte e na infraestrutura da região. 

Perfeita a análise! Óbvia até, mas ainda tem muita gente que não faz a relação entre desigualdade regional e transporte lotado, meu deus. Parece que a culpa da lotação é toda do transporte, mas nem sempre é. Há um excesso de demanda, causado pelos deslocamentos forçados de milhares (em São Paulo, milhões...) de pessoas todo dia. Outro dia estive em Francisco Morato, uma cidade-dormitório... Hora do rush lá em 3h30 da manhã, na estação de trem. Uma violência. (Cidade dormitório onde, como em todas as outras desse tipo, se dorme pouco, que ironia triste). E por que? Porque as pessoas tem de viajar diariamente para trabalhar. Os "moratenses" produzem riqueza em outro lugar, não lá. Ou bem se arruma mais lugar para a população de renda modesta morar mais perto ou se leva emprego pra Morato - se bem que o certo é fazer as duas coisas, ou não haverá trem que chegue, por mais que o serviço melhore (a estação lá já melhorou muito; os trens estão progredindo também).


Com uma frota de 1.035.819 veículos em 2007, estima-se que Curitiba tenha alcançado uma taxa de motorização de 553 automóveis para cada mil habitantes - a maior do Brasil. Essa motorização da população e a opção pelo transporte privado tem gerado congestionamentos até recentemente inexistentes na cidade. Como opção ao transporte convencional, a cidade conta com uma rede de ciclovias de 159km, basicamente interligando os parques e as faixas para caminhadas nas ruas circunvizinhas. 

Pois é... O sistema de transporte coletivo de Curitiba é louvado no mundo todo, serviu de modelo para o Transmilenio de Bogotá, inspirou até certo ponto os corredores de São Paulo (a implantação foi incompleta... precisa troncalizar etc.), vai inspirar o de algumas cidades-sede da Copa. Mas Curitiba tem excesso de automóveis e congestionamentos.

Não duvido que o transporte coletivo, até pelo excesso de demanda, deixe de atender as necessidades todas dos motoristas. Mas posso apostar que muitas viagens de automóvel poderiam - fora do horário de pico, no contrafluxo etc. - ser feitas de ônibus com tranquilidade. Mas muita gente não troca o "conforto" de seu automóvel parado do congestionamento...

Por essas e por outras tenho certeza: é preciso melhorar a distribuição de atividade econômica/moradia pelas Regiões Metropolitanas, diminuindo distâncias e deslocamentos forçados; é preciso melhorar o transporte coletivo (conforto, informação, previsibilidade, racionalidade dos trajetos e integrações, disponibilidade adequada em todos os dias e horários etc); é preciso também criar mecanismos para desestimular o uso supérfluo, compulsivo, abusivo de automóveis particulares. Rodízio, restrições cada vez maiores ao estacionamento nas regiões centrais, pedágio urbano... Medidas amargas, que parecem ir contra o interesse da sociedade de modo geral, mas na verdade dificultam para alguns em nome do bem da maioria.

(Último comentário sobre o número de automóveis em Curitiba: apesar da capital já sofrer com congestionamentos/excesso de veículos, temos de lembrar que um número enorme de veículos emplacados lá circula EM OUTRO LUGAR. Muitas frotas de autos, vans, VUCs etc. são licenciadas em Curitiba e rodam em São Paulo e outras cidades em que o IPVA é mais caro. Ou seja, o imposto é pago lá e Curitiba pode dispor desse recurso, mas o espaço do sistema viário, a poluição, o barulho, o peso etc. impactam aqui).