sábado, 5 de junho de 2010

A maior dor que há

O amigo que me contou disse que é um "conto chinês":
Um homem conquistou na vida tudo o que almejava: dinheiro, prestígio, poder. Tinha uma linda família e inúmeras propriedades. Consultou, então, um sábio, para saber o que mais a vida lhe reservava.
"As notícias são boas. Morre avô, morre pai, morre filho".
"O que é isso?! O senhor quer zombar de mim? Isso é notícia boa?"
"Sim. O que a sua vida lhe reserva é isso: primeiro vai morrer o avô, depois vai morrer o pai, quem vai morrer por último é o filho". 

***
A inversão da ordem natural das coisas é uma das dores mais atrozes desta vida. Eu me lembro da minha mãe dizer, quando eu era pequena, "Fulano perdeu um filho; é a maior dor que tem", e eu mesma não entender - pra mim, pesadelo era pensar na minha mãe  morrendo! Que grande coisa, se eu morresse...

Agora eu tenho três filhas, e quando alguém perde um dos seus, eu fico destroçada. 

***
Terça-feira morreu o filho do deputado Paulo Teixeira, que foi um colega bem próximo a mim na Câmara Municipal e com quem mantenho contato até hoje. Não temos intimidade suficiente para eu chamá-lo de "amigo", mas ele não é apenas um conhecido da política. 

O filho dele era uma pessoa muito especial. Não é lugar-comum não, elogio feito automaticamente a alguém que morreu jovem demais. Ele já havia trabalhado com a Pastoral Carcerária quando decidiu, aos 26 anos, ser missionário leigo e prestar serviço como advogado em São Gabriel da Cachoeira, a 852km de Manaus. Um lugar que faz fronteira com Colômbia e Venezuela, tem 80% de terras indígenas e três idiomas indígenas como oficiais, ao lado do português. 85% dos habitantes são indígenas. 

"Espero contribuir para a melhoria da realidade social dos povos da Amazônia. Para que tenham mais voz, mais acesso aos direitos de cidadania, para que a Constituição Federal seja igual para todos.

A partir do trabalho com a Diocese de São Gabriel da Cachoeira, estar ao lado dos povos indígenas e lutar para que sua diversidade de culturas seja preservada e respeitada, que seu contato com os povos ditos civilizados seja um contato menos deletério possível, com mais solidariedade e respeito as diferenças.

Igualmente, assim como para os índios, lutar pelas comunidades ribeirinhas, para que vivam com mais dignidade, com acesso a saúde, educação e justiça, respeitadas as identidades culturais locais.

Pretendo contribuir para que tenhamos um País mais justo e igual, que possa investir e crescer igualmente", disse na ocasião. 

***
O discurso que o Pedro leu na sua missa de despedida de São Paulo, em fevereiro deste ano, é lindo, especialmente porque não é só um discurso, é a descrição de uma opção concreta na vida; estes são trechos dele:

"Essa minha decisão de viver essa experiência na Amazônia é fruto do convívio com a realidade dos cárceres e a realidade social em sua forma mais cruel, o lado B de nosso País: o País dos esquecidos, dos humilhados. Pude estar em contato com a miséria da miséria, a injustiça, a segregação social e racial, a dor, o esquecimento. Ter visto de perto situações desconhecidas pela maioria das pessoas, ter conhecido um País que ainda maltrata seus cidadãos, tudo isso me despertou pra necessidade de luta, de trabalho para a profunda transformação dessa realidade.


De forma geral, vejo os poderes de Estado ainda muito elististas. Não conhecem de verdade a realidade de seu povo, a pobreza, a falta de dignidade e cidadania que sofrem milhões de cidadãos, não conhecem os cárceres. Mantêm-se distantes daquilo que deveria ser a essência de seu trabalho: o bem comum do povo, sobretudo daquele que mais necessita das instituições para a garantia de seus direitos. Privilegiam o status, o poder, as facilidades materiais em detrimento dos direitos fundamentais das pessoas.


As leis, a Constituição Federal infelizmente não são as mesmas para todos. A justiça é justa para poucos. Os direitos de alguns são mais importantes que de outros. Lutar pela terra é crime. Mas não é crime a situação daquela pessoa que vive em condicoes sub-humanas nas favelas, sem dignidade nenhuma, sem comida. Furtar é crime. Mas não é crime quando o Estado amontoa milhares de presos e presas numa lata, os tortura impunemente, e viola todos seus direitos previstos nas leis. Temos dois Países: o País dos privilegiados, dos que têm acesso à riqueza, à cultura, ao lazer, aos bens materiais, às melhores oportunidades e o País dos esquecidos, que não têm direitos, não têm oportunidades, e ainda são criminalizados.


Devemos mudar, acredito que estamos avançando, mas é preciso muito mais, não podemos permitir retrocessos nas conquistas dos direitos.


Precisamos acabar com a segregação racial. Vejamos os direitos dos índios, como têm dificuldade para ser implementados. Vejamos a diferença entre os salários de negros e brancos. Vejamos os preconceitos que os nordestinos ainda sofrem no sul. A discriminação que sofrem as mulheres. Isso tudo ainda existe, é verdade, tristemente sentido no cotidiano.


Somos um País extremamente desigual na distribuição de renda. Somos top 10 no ranking de desigualdade. Num país com 200 milhões de habitantes, os 10% mais ricos detêm 50% da riqueza. Os 10% mais pobres, apenas 1% dessa riqueza. Os moradores de favelas pagam proporcionalmente mais impostos que os ricos.


4 milhões de famílias no Brasil precisam bos benefícios de uma reforma agrária. Sem contar outros milhões que vivem em condicoes sub-humanas e que precisam de mudanças.


Nosso mundo tem 1 bilhão de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 2 dólares por dia. No Brasil, são 7,5 milhões de pessoas que vivem na linha da pobreza.


Para mudar essa realidade, precisamos democratizar cada dia mais o poder econômico e o poder político. Não permitir que o capital econômico mande nas políticas dos países, em detrimento das conquistas e avanços sociais.


Não dá para ficarmos tranquilos diante de tanta injustiça. Porque preferimos a anestesia à luta? Porque não deixemos de lado um pouco nosso conforto para pensarmos e agirmos por uma sociedade melhor?


Viajo para a Amazônia para colaborar, como cidadão e advogado, com as comunidades ribeirinhas, os índios, a questão ambiental. A discussão que está em voga hoje é a ambiental e, realmente, ela se faz necessária e urgente. (...)


Insistimos em desmatar nossas florestas. Somos o 5º pais no mundo que emite mais gases poluentes e 75% desses gases vêm do desmatamento. Matamos nossa floresta para alimentar o mercado externo, americano e europeu. Faz sentido isso?


Do que adianta exercitarmos uma consciência ecológica se não questionamos nosso próprio anseio consumista que desgasta a capacidade da natureza e acelera a degradação do meio ambiente? Devemos exigir de nos sacrifícios pelo bem da sobrevivência da natureza e nossa também.


Apenas para exemplificar, com situações cotidianas: será que precisamos ter 50 pares de sapatos em nossos armários? Dezenas de peças de roupas que depois ficam armazenadas? Será que todos precisamos de carro em detrimento do transporte público? Precisamos tomar duas vezes ao dia banhos de 30 minutos? Devemos pensar que nosso padrão de consumo gera desigualdades e agride a natureza, e é preciso abdicar desse modelo.


Sinto nessa minha escolha um pouco de negação, ainda que temporária, do modelo civilizatório ocidental consumista e destrutivo em que vivemos – e, pior, que achamos bom. Desejo buscar na natureza, com os índios, valores humanos que se sobreponham às ilusões da civilização.


Penso que, diante de toda a realidade miserável que pude ver, não posso ficar inerte, tocando minha vida como se a vida do outro nada tivesse a ver com a minha. Me sinto na obrigação de colaborar com nosso povo".


(O discurso inteiro, bem como a entrevista de onde tirei a outra fala dele, estão no site do Paulo Teixeira)

***
Muitas vezes eu sonhei fazer isso da minha vida - mas não fui. Quis ir para o Xingu, para a Amazonia, para algum lugar miserável da África. Quis ser missionária também... Fui educada em um colégio de freiras adeptas da Teologia da Libertação, que pregava o exercício da fé cristã como engajamento na sociedade. Adorava os filmes que elas mostravam e os textos que falavam sobre Dom Pedro Casaldáliga - e hoje fico sabendo que o Pedro Yamaguchi Teixeira foi batizado em homenagem a ele, e que chegou a conhecê-lo pessoalmente em São Félix do Araguaia.

Ontem, na missa na Catedral da Sé lotada, alguns depoimentos confirmaram aquilo de que eu tinha certeza: de que o Pedro estava muito feliz. Totalmente enturmado, realizado, contente. Fazia seu trabalho, era conhecido e respeitado, jogava futebol - um padre contou que, antes de ir, ele perguntou: "Vou poder jogar? Senão nem vou!" rs - e nadava no rio. Rio que, pelo que dizem, foi quem o levou.

Fiquei com um nó na garganta que ainda não foi embora. É como se morresse uma das minhas filhas, assim como um pedaço dos sonhos da minha infância e adolescência. E eu nem conheci o Pedro tão de perto assim - encontrei algumas vezes em debates, eventos na PUC, talvez em alguma festa... Mas senti uma identificação enorme, que nessa hora só se transforma em tristeza.

Imagine a família, os amigos. Mas que eles encontrem consolo e conforto na certeza de que ele viveu plenamente, de que fez o melhor possível de sua existência: se doou conforme o seu ideal, justamente um ideal de entrega totalmente generosa, desprendida. Ele foi absolutamente feliz, nos seus 27 anos. Que a dor logo passe e seja substituída por uma sensação de orgulho sereno, de saudade tranquila.

****
Mais um pouco do Pedro Yamaguchi Teixeira:


Para terminar, dois lindos poemas do nosso querido dom Pedro Casaldaliga, grande figura que me inspirou profundamente e a quem tive a enorme felicidade e privilégio de conhecer em São Felix do Araguaia:


Pobreza Evangélica
Não ter nada.
não carregar nada.
não poder nada.
e, de passagem, não matar nada;
não calar nada.
Somente o Evangelho, como uma faca afilada,
e o pranto e o riso no olhar,
e a mão estendida e apertada,
e a vida, a cavalo, dai.
E este sol e estes rios e esta terra comprada,
para testemunhas da revolução ja estourada.
E mais nada.



Epilogo Aberto
Atenho-me ao dito:
A justiça,
apesar da lei e do costume,
apesar do dinheiro e da esmola.

A humildade,
para ser eu mesmo, verdadeiro.

A liberdade
para ser homem.
E a pobreza
para ser livre.
A fé, cristã,
para andar de noite,
e, acima de tudo, para andar de dia.

E, seja como for, irmaos,
eu me atenho ao dito:
a Esperança.



E ainda:



Desejo a todos os leitores que possam sonhar e realizar um mundo mais justo e solidário, um País de todos, que distribua sua riqueza, que garanta os direitos a todos os seus cidadãos, que respeite as diferenças.


Que cada pessoa, mesmo nao partindo para outro lugar em missão, possa em seu meio social doar mais tempo de sua vida e de seu potencial a ajudar outras menos favorecidas.


Todos queremos um mundo melhor, mas devemos, e logo, começar a fazer a nossa parte

5 comentários:

  1. lindo! lindo! lindo! lindo!
    ao ler voce aproximamo-nos da mente de D'us!
    um grande abraço....carlos eduardo (Conseg Lapa)

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  2. Em minha crença, a fé no futuro e na necessidade de cumprir nossa missão na Terra é o conforto que desejo para o Dep. Paulo Teixeira, sua família e amigos:

    "Se me amais, guardai os meus mandamentos. E eu rogarei ao Pai, e Ele vos dará outro consolador, para que fique eternamente convosco, o Espírito da Verdade, a quem o mundo não pode receber, porque não o vê, nem o conhece. Mas vós o conhecereis, porque ele ficará convosco e estará em vós. – Mas o Consolador, que é o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito. (João, XIV: 15 a 17 e 26"

    Disse o Cristo: “Bem-aventurados os aflitos, porque eles serão consolados”. Mas como se pode ser feliz por sofrer, se não se sabe por que se sofre?

    O Espiritismo revela que a causa está nas existências anteriores e na própria destinação da Terra, onde o homem expia o seu passado. Revela também o objetivo, mostrando que os sofrimentos são como crises salutares que levam à cura, são a purificação que assegura a felicidade nas existências futuras. O homem compreende que mereceu sofrer, e acha justo o sofrimento. Sabe que esse sofrimento auxilia o seu adiantamento, e o aceita sem queixas, como o trabalhador aceita o serviço que lhe assegura o salário. O Espiritismo lhe dá uma fé inabalável no futuro, e a dúvida pungente não tem mais lugar na sua alma. Fazendo-o ver as coisas do alto, a importância das vicissitudes terrenas se perde no vasto e esplêndido horizonte que ele abarca, e a perspectiva da felicidade que o espera lhe dá a paciência, a resignação e a coragem, para ir até o fim do caminho.

    Assim realiza o Espiritismo o que Jesus disse do consolador prometido: conhecimento das coisas, que faz o homem saber de onde vem, para onde vai e porque está na Terra, lembrança dos verdadeiros princípios da lei de Deus, e consolação pela fé e pela esperança.

    (trecho do Evangelho segundo o Espiritismo, cap 6, O Cristo Consolador, O Consolador Prometido)

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  3. Cara Soninha
    Você precisa sair candidata, porque o país precisa de politicos que vão lutar pelo povo. Vai ter o meu voto, e se precisar de ajuda estarei a sua disposição. Abraços Antonio

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  4. "O objetivo último da busca não será nem evasão nem êxtase, para si mesmo, mas a conquista da sabedoria e do poder para servir aos outros", com essa citação o mitólogo Joseph Campbell define o arquétipo do herói no final de sua jornada.

    Para o intelectual, o herói não é aquele que busca ser celebridade e vive apenas para si, mas sim pessoas como Pedro que se doa para redimir a sociedade.

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  5. Soninha, sou Manoela Yamaguchi Ferreira, a quinta irmã do Pedro na "escala" de irmãos.Fiquei muito, muito emocionada com esse seu post, queria de certa forma agradecê-la pelas palavras, que não foram escritas para confortar alguém, mas que de alguma maneira generosa enlaça a nossa família num abraço sincero, e nos conforta, pq me deu alegria ao ler suas palavras.Me deu alegria!!!Um beijão grande!!!Somos grandes admiradores da sua política!!!

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