sexta-feira, 22 de outubro de 2010

De novo, o crime de ser parente

Continua a série de reportagens do Estado de São Paulo e do Jornal da Tarde sobre os meus parentes empregados no governo do estado.

Para o repórter (e para a maioria das pessoas, compreensivelmente), o fato de minhas duas filhas terem sido contratadas recentemente (uma na Secretaria do Meio Ambiente, outra na Cultura) e da minha irmã trabalhar no Cerimonial só pode querer dizer uma coisa: um tipo de "loteamento político". Afinal, eu saí do PT e vim para o PPS, partido da base do governo...

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Como eu disse a ele, nos últimos 20 anos, por ser apresentadora-de-televisão-vereadora-subprefeita, eu recebi e encaminhei uns duzentos mil currículos. Amigos, filhos e filhas de amigos, afilhados, cunhados, genros, noras, irmãos, primos... Gente querendo trabalhar em um determinado lugar, gente querendo trabalhar em qualquer lugar pelo amor de deus, gente querendo trabalhar na televisão. Mas gente querendo TRABALHAR.

Alguns, simplesmente distribuí. Passei um email: "Se alguém souber...". Outros, realmente recomendei, ou referendei quando me perguntaram. "Pode contratar porque eu sei que ele/ela é bom mesmo".

Recomendei gente para gabinete de vereador, deputado e senador de vários partidos. Para ministérios e Secretarias. Para iniciativa privada. 

Se forem fazer uma lista de quem é "peixe meu", não vai ser muito grande, mas vai ter gente pra tudo quanto é lado. Governo federal inclusive.

E o que isso tem a ver com o fato de eu ser do PPS?

Nada. 

Nem na Subprefeitura da Lapa, onde eu escolhia quem vinha trabalhar comigo, isso fez a menor diferença. Eu tive lá uma assessora que vota no PSOL, outra que ia votar na Dilma (espero que tenha mudado de idéia, ehehe), outros que nem sei. O cara é bom? Trabalha direito?  Isso é o que importa.

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"Mas suas filhas foram nomeadas em cargos de confiança. O que você acha de parentes de políticos ocuparem cargos de confiança?"


Repeti: uma pessoa não pode ser preferida nem prejudicada por ser parente. Filha, filha de amigo, afilhada, etc.

"Mas se a pessoa é boa mesmo, não deveria entrar por concurso?"

Concurso é uma forma muito desejável de ingresso na administração pública.

MAS... Tem seus problemas e precisa de contínuo aperfeiçoamento:

1) No sistema de ingresso: uma prova teórica que aprove milhares de pessoas de uma vez certamente não permite uma seleção mais criteriosa, individualizada.
2) Na possibilidade de demissão: o servidor concursado, efetivo, não pode ser mandado embora "simplesmente" por ser incompetente. Mesmo sendo sabidamente desonesto, se não tiver "flagrante"... Você dificilmente consegue mandá-lo embora.

Isso pode ser aperfeiçoado, com etapas de seleção diferenciadas, treinamento e observação correta do período de experiência, e com revisão dos procedimentos para desligamento dos servidores. Com medo de perseguição política ou do ruim e velho loteamento, criou-se a estabilidade, mas ela virou, em alguns casos, um problema. Os bons servidores são sobrecarregados e, em grande medida, mal remunerados por "culpa" dos maus servidores.

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Mesmo com o melhor processo seletivo do mundo e a utilização da estabilidade como defesa dos bons e não como muleta dos maus servidores, ninguém nunca pregou a extinção pura e simples dos cargos de livre provimento, ou "cargos de confiança".

Existem muitas situações em que se deve dar aos chefes a possibilidade de selecionar seus colaboradores diretos. Na Subprefeitura, podendo nomear umas 15 pessoas de minhas escolha, pude selecionar o perfil: uma mais ligada à área de Meio Ambiente, outra à Assistência Social, outra à Cultura...

É tão evidente que a possibilidade de escolher alguém "da sua confiança" é muito desejável em algumas situações, que é triste que, na administração pública, tenha virado sinônimo de bandalheira. E, como sempre, por causa dos malandros, os que não são acabam sendo alvo de desconfiança... 

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"Então como a gente faz pra saber se a pessoa tá lá só porque é parente ou porque trabalha direito?"


Sendo parente ou não sendo parente, é um desafio. Porque se ele perguntar pra mim, claro que eu vou dizer que minha filha é honesta e competente - alguém jamais vai dizer "meu filho é um inútil"? Também não adianta perguntar para o chefe, porque pode estar com medo de se dar mal e defender o funcionário mesmo que ele seja péssimo. "É do vereador tal, não mexe com ele"... Ou então porque faz parte do "esquema", ganha algum para ocultar as maracutaias...

O desafio é dar cada vez mais transparência e controle social. Publicar os nomes de todos os funcionários públicos na internet já é um grande avanço - e eu elaborei o Projeto de Lei que transformava isso em obrgiação e sugeri ao Voto Consciente que o apresentasse na Comissão de Legislação Participativa. Depois carreguei o projeto no colo até a aprovação em plenário, senão ele NUNCA ia sair da pauta. Virou lei.

Mas, de novo, o nome não prova nada. O servidor pode ser concursado ou de livre provimento e ser bom ou mau funcionário. Pode ser parente ou não ser (idem). COMO saber se trabalha direito?

Bom, aí entra a mídia, que faz parte dessa análise. Mas se a mídia apenas der uma busca na internet, fizer dois telefonemas e publicar aspas, pode não ajudar nada. Pode avalizar um picareta e destruir uma pessoa honesta.

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"É isso que eu estou fazendo, dando transparência. Você não é a favor da transparência?" [ele não disse isso com agressividade]


Pois é, mas o certo seria fazer uma reportagem pra valer. Ir lá, dar plantão na porta da Secretaria. Perguntar para os porteiros, faxineiros, colegas... Botar escuta ambiental, grampear o telefone...

"Mas isso é ilegal".

Verdade. Mas uma conversa da qual ele mesmo fosse o interlocutor poderia ser gravada. Vai lá, não se identifica como repórter e pergunta: "Rachel já chegou? A que horas ela vem? A que horas sai?". Aí vê se é verdade, liga na hora do expediente, pede pra falar com ela, tenta fazer um rolo e vê se ela topa... ISSO é uma reportagem.

"Mas isso é impossível. Quantas pessoas trabalham no governo, quantos são parentes de alguém?"

"Impossível"? Claro que não. Quantas reportagens já foram feitas assim?! Eu passei o dia investigando, por telefone e pela internet, as tais das falsas universidades. Mas se a Unifpel não fosse em Pelotas, eu iria pessoalmente! Se eu tiver um repórter lá, vou pedir que faça a verificação in loco!

Enfim, ele considera que está fazendo a sua parte, "dando transparência" e publicando os fatos - as meninas são minhas filhas, eu sou do PPS, o PPS é da base do governo, isso as torna suspeitas. E cada um que pense (mal) delas o quanto quiser, porque a imprensa fez o seu dever. :o( 

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