quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Sua excelência, o carro


Excelente texto do José Luiz Portella, que foi Secretário Estadual de Transportes Metropolitanos. E que, antes mesmo de tomar posse, assumiu o compromisso de integrar bicicletas e metrô (no estúdio da ESPN, onde eu lhe dei os parabéns pela indicação e fiz a reivindicação rsrs). Já no discurso de posse, ressaltou a necessidade de investimentos fortes na CPTM, e de fato os trens metropolitanos melhoraram muito com ele na Secretaria e o outro Zé no governo do Estado :o))

Às vésperas do Dia Mundial Sem Carro virou risco andar pelas calçadas.

Não dá para sair tranquilo de um shopping (Villa-Lobos), e caminhar. Vem um carro a 100 km por hora. Não é acontecimento isolado. Outra vez foi um estudante que dispensara o carro e voltava caminhando na Vila Madalena. Sem carro, na calçada. Ficou sem vida. Ontem outro carro entrou pela vitrine de uma loja.

Em 2010: três paulistanos por semana, com mais de 70 anos, foram vítimas fatais.

Já não chegam os acidentes nas vias, agora o carro chega às calçadas. Não chega o estado das calçadas, buracos, desníveis, restos de cachorros. São 100 mil acidentes por ano por conta das condições do passeio. Agora o carro anda pelas calçadas.

No Dia Mundial Sem Carro o ambiente é o da entronização de sua excelência, o carro.

Não há nenhuma medida efetiva para restringi-lo, enquanto sobram medidas para estimulá-lo. Desde a atração de mais carros para o centro expandido até os privilégios para a indústria automotiva: desoneração de impostos, protecionismo, crédito abundante, o que só faz entrarem mais carros na cidade.

Com mil veículos automotores em circulação a mais por dia não há medida de desafogamento nem rede de metrô aumentada que dê conta.

Nova York, Londres, Paris são exemplos de cidades com grandes redes de metrô, com alta capilaridade e com vários congestionamentos de carros. Londres precisa aplicar uma taxa no centro para desestimular o fluxo de veículos.

Isso mostra que a questão do carro não é meramente oferecer mais metrô e pronto; tudo se resolve. Essas cidades mostram que mesmo com redes extensas é preciso restringir o carro. E ter outras opções.

Além disso, segue a impunidade para quem provoca acidentes. A impunidade é o veículo mais rápido para continuarmos a ter acidentes do tipo invasão de calçadas.

A indústria automotiva há anos é uma das mais beneficiadas com privilégios. O carro é uma divindade. Um arquétipo de poder. Nele, o sujeito se julga mais forte. Foram anos de trabalho de marketing.

Ninguém é contra o carro. Não se trata de querer eliminá-lo, seria ingênuo. Mas de colocá-lo no devido lugar.

O carro é um meio para o ser humano. Não o contrário.

Hoje, o que nos prende ao carro vai muito além da mobilidade para a qual ele serve. A ponto de qualquer solução para diminuir sua influência soar impossível.

Andar de bicicleta vira mera questão de lazer quando cerca de 230 mil viagens/dia são feitas a trabalho. E, se houver segurança, haverá muito mais gente querendo fazer.

No Dia Sem Carro, ganhamos 850 m de ciclorrota mais ciclofaixa ligando a USP ao Metrô. E 4,4km de corredor de ônibus na Radial Leste. É bom, não vamos desprezar os avanços.O caminho não é fácil.

Mas mostra o quanto é desproporcional a relação. Emplacaram mais mil veículos hoje e ganhamos 850 m de ciclofaixa. Que não são acrescidas a cada dia, só hoje. Enquanto que o carro, todo santo dia.

A tarefa é tão grande que só com uma decisão muito forte da população é possível sanar nosso maior problema: transporte/trânsito.

Falta uma liderança, alguém do poder público que acredite na ideia. Sem liderança do prefeito, como houve em Nova York, não haveria o 'Tolerância Zero'.

Não criamos o clima necessário para haver a sanção pública. Só a sanção pública vinda da população convicta de uma ideia muda um hábito arraigado como este: sua excelência, o carro.

A cidade precisa de vários dias com menos carro. E do prazer de poder curti-la, a pé, sem medo.

Bom Dia Mundial Sem Carro!

Bom dia para decidirmos o que queremos.

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