segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

C#gadas em série (Pinheirinho)

Parte 1: a "Propriedade Privada" e a "Justiça"

Não sei em que condições o terreno foi adquirido. Talvez a situação seja absurda desde a aquisição, vai saber. Grilagem, papéis frios, corrupção, invasão... O Brasil tá forrado de "propriedades legais" que não tem um mísero documento em ordem, que alguém um dia cercou e disse "é minha". Desmatou, usou, parou de usar, largou, deixou especulando.

Se a origem da história for essa, o proprietário já deveria ter perdido o direito a ela séculos atrás. Digamos que nada disso tenha acontecido na história do Pinheirinho: a ÚNICA razão aceitável para que o terreno fosse desocupado e restituído ao proprietário seria para atender as vítimas do Naji Nahas... Que ele estivesse arrolado para saldar dívidas com pessoas "assaltadas" por ele... E olhe lá.

Parte 2: O tempo não foi o senhor da razão

A ação de reintegração de posse já subiu e desceu na Justiça várias vezes. Até onde eu sei, já "transitou em julgado" no STF, não poderia fazer o caminho de volta. E realmente uma ordem da Justiça Federal não poderia se sobrepor à decisão da juíza da Justiça Estadual, embora pareça aos leigos que uma é subordinada à outra.

Mas, como explica o Sakamoto, "ao receber uma ordem judicial, mesmo que formalmente correta, mas cuja execução possa colocar em risco a vida de pessoas, o Poder Executivo tem o dever de tomar todas as medidas para evitar esses excessos. E caso acredite que seja impossível, que pessoas saiam feridas ou com a dignidade vilipendiada, tem o dever de não cumpri-la e procurar alternativas".

Ao longo desses anos todos, a decisão já foi não cumprida. Protelada, empurrada com a barriga. Por que? Mil razões diferentes, possivelmente contraditórias. De coragem a medo. De compaixão à demagogia.

Não ter cumprido porque seria absurdo simplesmente tirar todo mundo dali e obrigar as pessoas a começar tudo de novo sem lhes oferecer nenhum caminho é compreensível - não chega a ser louvável porque se isso significou não tomar iniciativa nenhuma para resolver a situação direito, que grande coisa. Vira omissão. "Alguém que resolva esse problema, eu é que não vou mexer nisso". Quer dizer, é um pouco de compaixão, um pouco de covardia.

Não ter cumprido por demagogia é inaceitável. "Querem expulsar vocês daí, mas eu não vou fazer isso!" é ignorar que, sem tomar providências de verdade, uma hora essa bodega ia explodir. Consolidar, arruar, puxar eletricidade etc. SEM levar em conta que era preciso REGULARIZAR  a posse do terreno é de uma irresponsabilidade tremenda. Até no Morro do Bumba fizeram isso, lembram?

Enfim, quanto mais o tempo passa sem providências, MAIS COMPLEXA é a situação. Barracos de madeira viram casas de alvenaria, surge o comércio local, as pessoas vão aumentando seu patrimônio, os lotes e casas vão valendo cada vez mais... É, imóvel valoriza em tudo quanto é lugar quando a vizinhança faz progressos e/ou tem muita procura. Adiar, sentar em cima, protelar, se omitir, adiar, adiar... Problema SÉRIO na administração pública.

Parte 3: Mas então o que?

Não podendo voltar no tempo e desfazer tudo de errado que foi feito antes, caberia ao Poder Público regularizar a área - será que não poderia ser desapropriada??? Caso isso não fosse possível ou fosse demorar demais por conta de mil recursos na Justiça, a prefeitura/o estado/a União deveriam ter procurado uma área tão próxima quanto possível para realocar os moradores.

Quanto mais demoram esses processos, mais complexa vai ficando a situação. As casas, como disse, vão ganhando solidez e valor - econômico e sentimental. A especulação imobiliária começa a se instalar também... E politicamente o lugar passa a ser cada vez mais atraente, mais interessante. Cenário de promessas e incitações, boatos e contra-informação, poder e terror. Terreno fértil para lideranças picaretas ou criminosas - que, não raramente, se impõem e subjugam lideranças legítimas.

Tô falando isso em tese? Não. Com conhecimento de causa e de casos. De moradores que se viram no meio de um cabo-de-guerra, oprimidos entre quadrilhas de bandidos, autoridades corruptas, servidores públicos abusados, Justiça estrábica, PM mal preparada, mal orientada ou mal intencionada.

Enfim, a combinação de necessidade e desejo, laços de amizade e relações de poder, organização cidadã e organização criminosa, interesses honestos e oportunismo dá merda sempre. E a omissão ou ação errada dos agentes públicos (prefeitura, estado, governo federal, vereadores, deputados etc) é o combustível da catástrofe que vai sendo armazenado até explodir.

[Continua mais tarde]

Um comentário:

  1. Isso só mostra como o Estado é incompetente em fazer cumprir as próprias leis que cria.

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