quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Ambulantes, mascates, camelôs

Uma vez na SubLapa, onde lidei com inúmeros conflitos relacionados ao comércio ambulante, fiz uma reunião com o pessoal do "rapa".

É muito, mas muito complicado. Tem gente honesta e desesperada, tem malandragem, tem crime. Nem sempre a separação entre um e outro é fácil de perceber. Vem malandro super convincente, chorando desesperado. Depois você pega o sujeito em flagrante no pleno exercício da picaretagem. Tipo - ele é "dono" de uma "rede" de barracas. Ganhava mais por mês do que eu como Subprefeita e pagava uma merreca para as pessoas - idosas, com deficiência... - que tomavam conta dos seus pontos.

***
Uma tarde vieram me avisar: "Não sai agora do gabinete que tem um cara completamente transtornado dando escândalo lá embaixo. Diz que vai quebrar tudo, que vai pegar não sei quem..."

Era um ambulante. Furioso, revoltado. Pedi pra vir à minha sala.

Passou o rapa, mandou ele recolher as coisas, ele resistiu. Quis conversar, "o que é que eu tô fazendo de errado?". Foi o que bastou (ok, talvez ele tenha sido menos gentil do que isso, não duvido. Não importa, dever do agente público é agir corretamente). Quebraram as coisas dele, ele caiu no chão, machucaram o rapaz.

Ele mostrou as marcas. Tinha toda razão. E chorava, chorava. Tinha comprado "meia dúzia de brinquedinhos na 25" e montado um caixotinho na frente da estação da CPTM. Precisava ganhar algum para ajudar a criar o filho, que mora com a mãe.

"Tem foto dele aí?"

Tinha... Menino fofo, lindo. Começamos a falar sobre o menino, fui xeretando a vida dele (onde mora? a mãe era sua namorada? e você, é de onde?), ele foi parando de soluçar.

Oferecemos uma oportunidade de emprego em uma das equipes de manutenção de áreas verdes. R$700, carteira assinada.

E também uniforme, horário para entrar e para sair, chefe...

"Dona Soninha", disse, com o maior respeito e gentileza. "A senhora me desculpe; eu agradeço, a senhora me ouvir, querer me ajudar, mas eu não quer não. Eu quero poder parar quando estiver cansado, ir até o bar tomar umazinha, voltar depois e ficar até mais tarde".

"Mas aí eu não posso garantir que você vai conseguir trabalhar. Violência não pode ter de jeito nenhum, mas  se passarem por você e a mercadoria estiver ali, vão ter de recolher. Ou você vai sempre ter de fugir".

Não teve jeito. Agradeceu efusivamente, sinceramente, e saiu...

***
Na reunião com o "rapa" - um povo simples de tudo, como se pode imaginar - perguntei "quem aqui já comprou de ambulante"? Todo mundo levantou a mão. "Quem aqui JÁ FOI ambulante?". Várias mãos levantadas.

Conversamos, orientei, "tem de tudo, a gente sabe, vocês são provocados às vezes, desafiados, agredidos. Mas o nosso dever é agir direito. Se forem agredidos ou ameaçados, recuem. Aí tem de vir a GCM para evitar o conflito, a violência. Não é pra sair briga. Falem com educação. Firmes, mas sem estupidez".

Eles acedem, concordam. Mas talvez pensem lá no fundo "porque não é ela que vai para o pau ver como é que é".

:o(

***
Em 2008, fizemos uma proposta específica para os ambulantes. Revisamos agora; ei-la:


Sobre os ambulantes  

A prefeitura deve normatizar e organizar de maneira justa e realista o comércio ambulante - além de oferecer ou proporcionar a oferta de alternativas de trabalho para a população que hoje garante seu sustento dessa maneira. Em 2004, o PL 296/04, de autoria do Executivo, definiu como atribuição da Guarda Civil Metropolitana “fiscalizar o comércio ambulante nas vias e logradouros públicos”, com poder para multar e apreender mercadorias. Vamos encaminhar projeto à Câmara revogando esse artigo.
O que faremos:
  • Identificar novos locais em que é possível conceder Termo de Permissão de Uso para ambulantes (ruas, praças, passarelas, pontos de ônibus e terminais, mercados e sacolões)
  • Respeitar as prioridades (Pessoas com Deficiência, Idosos)
  • Incentivar a criação de Cooperativas
  • Padronizar as barracas, utilizando elementos gráficos representativos da cidade de São Paulo.
  • Rever a relação de mercadoria que pode ser comercializada, revogando algumas proibições (exemplo: água de coco!)
  • Construir e manter banheiros públicos e garantir a coleta de lixo e material reciclável
  • Estabelecer pontos de comércio e serviços junto a conjuntos habitacionais  (“boulevards", "shopping a céu aberto) e prever a oferta desses pontos em futuros projetos de habitação popular
  • Manter um canal permanente com os próprios ambulantes para discutir seus problemas e a relação com a sociedade e o poder público
  • Oferecer capacitação, linha de crédito e suporte para que pequenos empreendedores possam abrir seu próprio negócio.
  • Combater a ilegalidade com inteligência (e não com truculência) em parceria com as Polícias Civil, Militar e Federal  
O que não podemos permitir:
  • Venda de mercadoria roubada, contrabandeada, falsificada
  • Que o comércio ambulante dificulte ou impeça a circulação de pedestres, ciclistas, transporte coletivo e automóveis e o acesso ao comércio formal
  • Exploração de ambulantes como mão-de-obra contratada
  • Uso da força e intimidação
  •  Tráfico de influência, isto é, favorecimento por politicagem ou corrupção

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