quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Pode ser bom sem ser perigoso

No começo, era o medo. As campanhas contra a AIDS apelavam para o Bicho-Papão, o Boi-da-Cara-Preta. A AIDS VAI TE PEGAR. AIDS MATA.
No começo, ela era a “peste gay”, que vinha para castigar os homossexuais.

A transmissão do HIV acontece por meio de sexo oral, com penetração vaginal e anal. No caso da penetração anal, a possibilidade de haver microfissuras é maior, portanto aumenta o contato do sêmen com o sangue. Mas também é possível contrair o HIV com alicates de cutícula ou equipamentos odontológicos não esterilizados – nem por isso manicures e dentistas foram apontados como Cavaleiros do Apocalipse, e os gays foram.

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Se hoje em dia um texto falando em penetração anal, sêmen, sexo oral não é confortável para muitos, imagine no começo dos anos 90. A palavra “camisinha” já gerava constrangimento. Pênis então...

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Na MTV, a gente fazia questão de falar muito sobre AIDS. Esse era um ponto importante também para a “matriz”, a MTV americana. Eles produziam documentários excelentes, criavam campanhas muito bem sacadas, veiculavam videoclipes de projetos especiais em benefício de portadores do vírus. Passávamos o material que eles produziam e fazíamos algumas coisas por aqui também.

Nas entrevistas e debates, chamávamos os “especialistas”. Médicos infectologistas, orientadores educacionais, ativistas - o pessoal “das ONGs”. Os primeiros falavam super didaticamente com a linguagem formal e cuidadosa; os ativistas eram didáticos com linguagem coloquial e modos desavergonhados. Inesquecível a participação da Terezinha Reis Pinto, da Aptateen, em um Barraco MTV. O ponto era: provar que a camisinha não “cortava o barato” da relação sexual; que, ao contrário, colocar a camisinha poderia ser parte do jogo erótico. Para demonstrar, ela punha uma camisinha em uma banana e ia desenrolando e vestindo a dita cuja COM A BOCA. Ao vivo na televisão. Perfeito!!!

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Nas reuniões da redação, tínhamos 3 preocupações:

1 – Alertar enfaticamente para o risco de contrair AIDS por meio de relações desprotegidas. Não "relações homossexuais", não "sexo anal", não relações “promíscuas”, ocasionais... DESPROTEGIDAS e pronto. A pessoa mais recatada do mundo pode ter uma relação monogâmica, heterossexual, com penetração vaginal, na posição convencional, e pegar a doença. Com um parceiro ou com dez, com o marido ou um desconhecido na balada, não existe relação segura sem proteção. Ah, e basta uma vez. Também não tem essa de “gozar fora” – não serve para evitar a gravidez nem para deixar de pegar uma DST. Ah, você acha que a pessoa “tem cara” de quem não tem AIDS? “AIDS não tem cara”. Se cuide, se cuide, se cuide.

Essa era a linha de comunicação “assim pega”!

2 – Informar que uma pessoa com AIDS não é uma ameaça ambulante. Não deve ser expulsa, banida, estigmatizada, evitada, condenada, punida. Ela tem uma doença, só isso, como tantas outras. Não deve ser considerada inferior, pior, indecente, imoral, depravada. E não transmite a doença em um aperto de mão, abraço, beijo, usando o mesmo copo, muito menos frequentando o mesmo ambiente. Antes as pessoas não queriam pegar elevador com um doente de AIDS... Não é à toa que passou a ser obrigatório colocar a plaquinha do lado de fora proibindo a discriminação.

Esta era a comunicação “Assim não pega”!

3 – Informar à pessoa com AIDS que ela não estava condenada à morte (algumas SE MATARAM mal souberam que tinham o HIV). Que a AIDS não tem cura, mas tem tratamento. Que é fundamental ir atrás, exigir e aderir a ele. Que é importante saber se tem AIDS ou não!

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Precisava haver um equilíbrio entre o alerta para evitar o contágio e a sensibilização para não discriminar quem já estivesse com o vírus. A gente também precisava se informar sempre, atentar para as dúvidas e mitos que surgiam. Tínhamos de nos dirigir às gestantes, aos profissionais de Saúde, às pessoas mais velhas, aos “desencanados”, aos publicitários, à autoridades, às mães amamentando...

Era uma nova mensagem a cada “temporada”. “Se você pensa que, porque já tem AIDS, pode transar desprotegido, está ERRADO: aumentar a carga viral é ruim para você”. “Se o HIV não aparecer em um exame feito logo depois de uma relação desprotegida ou de algum tipo de exposição a sangue não contaminado, refaça o exame depois de 3 meses, existe uma “janela” em que pode dar falso negativo”. “NÃO DOE SANGUE só com a intenção de fazer o teste anti-HIV – faça o teste gratuitamente se é apenas isso que você quer saber”. “NÃO É VERDADE que a camisinha NÃO SEGURA o vírus da AIDS”.

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Muitos achavam que distribuir camisinha, falar de AIDS para adolescentes e jovens, preconizar o sexo seguro eram coisas INDECENTES. Que oferecer tratamento no SUS para quem tem AIDS era uma afronta aos “cidadãos de bem”. Havia protestos e manifestações indignadas de igrejas. Pensa que é de hoje que se tem problemas desse tipo? Aliás, não venham as autoridades usar “os conservadores” (que deveriam ser chamados de “retrógrados”, isso sim, porque não querem manter as coisas como estão, querem voltar ao que já foi superado) como pretexto para não avançar. Quem realmente quer fazer acontecer, com convicção de que é o melhor para a população e coragem para segurar a bronca, “peita” as reações contrárias”.

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Eu tinha, na MTV, uma preocupação a mais. Informar e sensibilizar é indispensável mas não basta. MESMO informada e sensibilizada, uma pessoa pode não fazer “o certo”.

No caso de meninos e meninas às voltas com o sexo, tantas coisas podem acontecer resultando em relação sem camisinha... Sejamos realistas. Menino e menina morrendo de tesão, com a sensação típica de que “é agora ou nunca” – vão abrir mão da ação e ir cada um pro seu lado porque “xi, não tem camisinha”? Capaz... A menina é doida pelo menino e ele não quer usar; ela consegue se desvencilhar dele e dizer “então não rola”? O menino é doido pela menina, tem pavor de falhar, dela pensar que ele não sabe fazer; vai conseguir numa boa interromper o andamento da coisa porque o pau já está duro e agora é a hora de abrir o envelopinho e tentar desenrolar a bendita camisinha sem perder o embalo?

Eu defendia que a gente devia produzir campanhas que dessem a meninos e meninas a segurança necessária e as estratégias possíveis para pedir ou exigir camisinha. Com força e doçura, de modo a manter o clima. Com autoconfiança suficiente para dizer “não, se não tem camisinha não rola dessa vez, mas outra hora vai rolar”.

Pensa como é difícil.

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A minha campanha dos sonhos seria “QUEM DISSE que precisa ter penetração para ter prazer? Sexo pode ser MUITO gostoso com as mãos nos lugares certos”.

Bom, tá valendo.

2 comentários:

  1. Soninhaaaaaaaaaaa !!!!!!!!!!! Nosso verdão foi campeão !!! Você estava lá ontem ? =)
    Abraço !
    Luciano.

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    1. Estava "lá"... perto rsrs. A ponto de ouvir o estádio berrar e berrar junto <3

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