quarta-feira, 19 de setembro de 2018

O Bolsonaro não é meu avô

Tem gente que vota no Bolsonaro exatamente por causa das declarações machistas. Gente que acha que feminista é um bando de mulher chata, feia, mal amada ou promíscua e de esquerda (todos igualmente “defeitos” a seus olhos). Acho que não adianta discutir muito com essas pessoas: a gente pensa muito diferente e pronto. (Se bem que... Eu gostaria de explicar melhor, para quem pensa assim, o que eu entendo como feminismo x machismo. Pode até ser que algumas coisas que eles acham exagero, eu também acho. Tipo: se alguém disser “você está bonita hoje”, eu não me sinto ofendida e sub-valorizada rs).

MAS tem gente que acha que ele não é machista, é só um cara desbocado, que fala aquelas coisas incorretas que todo mundo pensa mas tem medo de dizer em público. Aí eu digo não não não. Tem certas “brincadeiras” (ou “verdades”) em certas situações que você só diz se for machista, preconceituoso etc. Vamos lá.

Todos temos nossas “licenças poéticas”, mais rigorosas ou menos. Uma vez eu escrevi na minha coluna na Folha de São Paulo que eu já xinguei muita gente de CORNO VIADO FILHA DA PUTA na arquibancada do futebol, mas não acho que a mulher dele está tendo um relacionamento extra-conjugal e que isso, se verdade, o tornaria um ser inferior e desprezível; não tenho um PINGO de homofobia (amo a causa LGBT); não acho que a mãe do jogador é profissional do sexo e não acho que isso seria motivo para xingá-la, caso fosse. Mas é futebol, porra. Abre-se uma janela de permissividade, que também terá de ter algum limite. Eu nunca vou chamar um jogador negro de “macaco”, porque isso não é impropério vazio, é uma ofensa mesmo, pronto.

Mas até aqui no Face, se o post não fosse exatamente SOBRE isso, eu não escreveria o palavrão por extenso. Uma vez fiquei ultra indignada com umas mentiras do Haddad em um debate e no meu blog escrevi que ele era um FDP (por extenso...). Horrível, apaguei depois (ele levou numa boa, me encontrou e tirou um barato da minha cara).
Então tem coisas que a gente fala no jogo de futebol, no boteco, no truco, nos ambientes “licenciados” para baixarias e coisas feias. Mas não no almoço com a família, à mesa com estranhos, no debate ou entrevista, na tribuna. Se falar... Não é “sinceridade”, é falta de noção ou falta de valores.

O deputado federal Jair Bolsonaro disse para a deputada Maria do Rosário que ele só não a estupraria porque ela não merecia. Gente. Isso é grosseria, é falta de educação, de mínimo respeito à civilização. Isso não pode ser dito JAMAIS para qualquer mulher. É um absurdo. É grotesco. É ofensivo, é PROFUNDAMENTE desrespeitoso. Não tem como alguém dizer isso para uma colega de trabalho, no ambiente profissional, no meio de uma discussão, e não ser alguém que desdenha mulheres e acha que estupro “não é bem assim”.

O deputado disse também, durante uma entrevista, que o filho dele jamais namoraria uma negra porque foi bem educado. Gente gente gente. Que p. é essa? Isso é “sinceridade”, é dar uma banana para o “politicamente correto”? Não, é uma visão de quem acha que brancos e negros não foram feitos para casar uns com os outros. Ele NÃO ESTAVA brincando. Vejam, tem na internet... Aliás, não me lembro de ver o Bolsonaro brincando. Nem se desculpando, dizendo “eu estava de cabeça quente”, “eu não pensei na hora”, “não tive a intenção de ser desrespeitoso”, “hoje eu avalio melhor”. Se já aconteceu, me mandem, é importante saber.

Em uma palestra, ele se referiu assim a moradores de um quilombo: “O menorzinho ali pesava sete arrobas. Nem como reprodutor ele servia mais”. Meu... Ele está dizendo que os negros moradores do quilombo são uns vagabundos, tão preguiçosos que se tornaram obesos. !!!!!!!!!!!!!????????????????? Veja: por esse mentalidade, negros são preguiçosos, gordos são preguiçosos... ??????!!!!!!!! E seriam gordos como bovinos, que a gente pesa em arrobas e podem ser “reprodutores” (e que frequentemente são associados à estupidez).

Se esse comentário fosse feito pelo meu avô à mesa do almoço, minha mãe – feminista etc – ia brigar com ele. “Pai, olha o que o senhor tá falando”!! Meu avô era um português sem muito estudo, que trabalhou “feito um mouro” a vida inteira e que cresceu ouvindo comentários depreciativos sobre negros (e descendentes de mouros – como ele!). Era um homem honesto e decente, mas não tinha muita noção de igualdade, equidade... Era preconceituoso, pronto. Minha mãe percebeu e assimilou os valores fundamentais, coerentes com a religião, e superou as contradições por meio do estudo e outras influências (“amai-vos uns aos outros, somos todos irmãos em Cristo” não combina com achar que negro é um tipo inferior de humano).

Mas o Bolsonaro não é meu avô, um homem rústico da primeira metade do século passado. É um capitão do Exército, deputado há décadas, muito vivido e bem-sucedido, que acha normal falar publicamente, enquanto autoridade, que era bom a ditadura ter matado uns 200 mil, que só morreram vagabundos, que o Fernando Henrique merecia um tiro na cabeça, que tem mulher que não merece nem ser estuprada, que filho dele não namoraria com negra porque teve boa educação. Ou que bateria em um filho gay até ele voltar a ser homem – isso em um mundo em que meninos e homens gays REALMENTE são espancados, alguns até a morte, por pessoas que acham que eles “merecem”.

Se isso não é prova de preconceito, é demonstração de falta de empatia mínima com outros seres humanos. Se ele não discrimina mulheres, negros e homossexuais, deveria saber que isso não é modo decente e civilizado de se expressar.

Bolsonaro, político a vida inteira, este ano resolveu sair candidato a presidente (direito dele e de qualquer brasileiro, graças aos que lutaram para acabar com a ditadura militar que ele tanto elogia). Muitos eleitores dele não são machistas nem racistas, mas: 1) odeiam o PT com todas as suas forças e identificam nele a antítese do PT; 2) acreditam que, por mais tosco que seja, ele tem qualidades como: honestidade, competência.

Últimos parágrafos: 1) Bolsonaro se parece muito com Lula em vários aspectos: a) é “heróico”, o Salvador da Pátria, se basta e se garante. Faz e acontece, não tem pra ninguém. Partido? Partido serve pra fazer a vontade dele. Só que isso NÃO ECZISTE em governo, em política. Graças aos céus; já pensou se fosse assim, se não precisasse nunca compor com outras forças? O Trump ao menos tem os republicanos que constituem uma base política, e que eventualmente se opõem a ele inclusive (ufa). Bolsonaro vai governar com o PSL?; b) Lula também é o boquirroto, faz comentários e brincadeiras machistas – e seus admiradores/idolatradores também não enxergam isso.
2) Honestidade é completamente diferente de “fala mesmo”, “sinceridade total”. Bolsonaro foi supersincero: disse que usava o apartamento funcional para “comer gente”. A sinceridade dele não torna esse uso de dinheiro público aceitável, torna? Ou o fato de falar o coloca “acima” de outros autores de desonestidade igual? Quanto à competência: qual a medida para isso? O que Jair Bolsonaro tem para apresentar como prova de que sabe liderar uma equipe, administrar um órgão público, chefiar um governo?

Essas últimas perguntas valem também para os que aprovam suas declarações contra mulheres e negros, viu.


**Post original no Facebook em 19 de set de 2018 00:04

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Talvez eu responda seu comentário com outro comentário... Melhor passar por aqui de vez em quando para ver se tem novidades para você.