quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

+ Pessoas

1)Peguei uma amiga de madrugada (a las 4:45) para irmos ao templo budista em Cotia (o Odsal Ling) comemorar o Losar (ano novo tibetano).

Enquanto a esperava na Bento Freitas (perto do Largo do Arouche), apareceram duas pessoas pedindo um trocadinho para comprar pão. Dois adultos, um homem e uma mulher. Ela mais mal vestida que ele, com aquele figurino típico: camiseta puída cor-de-algum-bicho-quando-foge, calça de moleton idem, barriga e canelas de fora. Ele usava calça e jaqueta jeans.

E pediram, pediram, pediram. “Eu tô sem trocado, não tenho nada no carro, saí de casa correndo para ir à missa...” (vou explicar que era pro Losar?). “Eu tô com fome, eu tô esperando nenê, só um trocadinho...”. Oscilavam entre a súplica e uma tom de ameaça.

Até que ele enxergou uma nota de dois reais sobre o painel do carro. Achei que ia abrir a porta para pegar à força, porque começava a ficar exaltado.

Peguei os dois reais e exigi que dividissem entre eles (só faltava os dois saírem na mão). Arruma daqui, moedinha de lá pra cá, conseguiram. E ficaram bem felizes.
Fiz a recomendação estupidamente inútil: “Vê se compra pão mesmo, não vai pipar agora”.

Veio um sorriso meio torto em resposta, um grunhido que podia ser irônico ou indignado. Parecia que ele pensou ao mesmo tempo em “imagine, senhora, eu não faço isso” e “tá bom, só porque você quer”... Ele pode ter fome de pão, mas a fome de crack é muito mais difícil de agüentar.

“Sério, pára com esse negócio, é muito ruim. Fuma outra coisa, sei lá”.
Ele ensaiou um discurso sério, convicto, com sua fala enrolada voz prejudicada. “Você não viu outro dia o jornal? A pior droga que tem é o álcool”.

“Nem vem. Crack é muito ruim. Muito ruim. O barato passa muito rápido e logo depois você fica péssimo. É uma merda”.

(Enquanto isso, eu ficava preocupada com o fato de estarmos no meio da rua e um motorista bêbado ou cheirado poder entrar na rua feito louco e passar por cima dos dois).

Enfim, não tirei ninguém das drogas, mas o papo foi bom. Eles foram embora gratos e felizes. A moça grávida não chegou a entrar na conversa.

2)Quitéria ganhou ingressos para a arquibancada do Sambódromo de São Paulo na noite do desfile do grupo de acesso. Levou marido, três filhos e nora. Antes de ir, perguntou se os filhos menores poderiam entrar – a internet disse que sim (censura: 5 anos).

Foram todos de ônibus da Brasilândia até lá, horas pra chegar. Voltaram da porta. Não podiam entrar sem mostrar os documentos dos filhos.

Já era mais de meia-noite e não havia o que fazer, a não ser voltar para trás. O segurança foi irredutível. Até chegarem ao ponto de ônibus, a última condução já tinha ido embora. Crianças chorando, frustração galopando, Quitéria me ligou pedindo ajuda.

De pijama, pronta para dormir, só consegui oferecer dinheiro para o táxi. “Manda os dois mais velhos de volta para o Sambódromo – eles podem entrar, não precisam perder a viagem. E assim vocês cabem em um táxi só! Vê se combina com o motorista uma corrida de R$50,00 daí até a Brasilândia, passando por aqui para pegar o dinheiro na portaria”. (Recomendação fora-da-lei, porque taxista não pode combinar corrida. Ai ai ai...)

Por legalismo ou questões de mercado, ninguém topou. Então eles andaram do Fórum da Barra Funda (depois de ter andado do Sambódromo até lá) até a minha casa, perto do Palmeiras. E de lá conseguiram um táxi até a Brasilândia; a corrida deu 40 e pouco.

Só soube que ela andou isso tudo porque me contou agora há pouco. Rindo dos pés inchados e doloridos, como costuma fazer depois de consumados os contratempos (ou verdadeiras desgraças – na vida dela são muitos). E com uma observação: “Sabe que foi até legal? Nunca tinha reparado que a noite é tão boa pra se andar. As plantas cheiram... Você consegue olhar as coisas com calma... A gente é bobo; parece que o dia é que presta e a noite é pra dormir. A noite é boa pra andar!”

Quitéria daria um filme. Daqueles de 4 horas.

2 comentários:

  1. Caceta, Sonia, eu serei o primeiro da fila no lançamento do seu livro.
    Tá, talvez eu me atrase um pouco e acabe sendo o nono ou décimo, mas enfim, eu comprarei com seu autografo.
    Té.

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  2. Andar à noite... ainda em SP! Para alguns, impossível! Para outros - como Quitéria e eu! -, um motivo para desvendar tantos mistérios ou cheirar as plantas. Adoro... seja na avenida Paulista, na longa avenida Pompéia ou na Rebouças (até o Eldorado)... ver os carros passando por mim, enquanto cantarolo alguma música... e já fiz isso tantas vezes!
    ok, algumas vezes, cansado, bem que ônibus e metrô poderiam existir ao longo da madrugada, não é mesmo?
    beijos

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