8:30 - Fui para o mutirão no Humaitá em ziguezague, como gosto de fazer, passando por onde não é caminho.
Santo deus, como São Paulo pode ser deprimente. Lugares horríveis, sujos, meio abandonados, meio mal utilizados. Terra sem lei, terra de ninguém. Muros com propaganda pintada (e um acintoso "Não mexa - autorizado"), lixo, áreas públicas cercadas, áreas privadas horrendamente largadas, sinalização inexistente, salve-se quem puder.
Tive de cavocar a memória - "lembra do Meat District em Nova York, lembra de Berlim depois da guerra!" - para acreditar que um dia aqueles quarteirões enormes entre a Gastão Vidigal e a Marginal vão ser alguma coisa decente, habitável, agradável, mais perto da escala humana (porque agora parece impossível).
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Passei por uma blitz policial; estavam parando todas as motos. Só me faltava estar sem o documento... Corri o risco seriamente: a semana inteira, saí com duas mochilas. No sábado, dei uma olhada superficial e peguei uma só. Por um triz o documento não ficou na que deixei em casa.
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Chegando à praça em que faríamos o mutirão, a primeira reivindicação: abrir uma passagem para caminhões no terreno (particular) onde funciona agora uma caixaria (revenda de caixotes usados na Ceagesp). O portão tem dois malotões, quase com certeza colocados pela própria Subprefeitura. Tive de dizer não: "Rapaz, se a tua atividade nem tá regularizada, como é que eu posso facilitar o acesso a ela?". Ele, naturalmente, ficou puto comigo, mas até que disfarçou.
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A caixaria banca as cestas básicas de uns 200 meninos que praticam futebol no campo ao lado. E dá trabalho para alguns dos seus pais. Deu pra sentir o drama? Pois é, o dia começa assim, e vai daí pra pior.
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"Assim não dá, a comunidade não vai ter o que fazer, a prefeitura está fazendo tudo!". Era uma das minhas assessoras, desesperada com o fato de haver equipes de limpeza e manutenção de logradouros trabalhando. "Calma. A comunidade quer fazer o que? Plantar árvores, escolher os lugares? Tô vendo um monte de árvore pra plantar". No fim, depois do estresse básico, buscaram mais terra e mudas na Sub, e a molecada se esbaldou de botar a mão na terra, na tinta, no muro.
Sem falar que a chegada das bolas (basquete, vôlei e futebol), petecas, mesas de ping-pong (a Lyane me mata! - Lyane é uma colega de ESPN que é campeã de tênis-de-mesa :o)) e cama elástica deixaram a praça muito, mas muito animada. Impressionante o que uma bola é capaz de proporcionar.
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O Maracatu chegou e entrou favela adentro, chamando o povo, ainda meio tímido. As crianças foram as que se soltaram primeiro, claro.
Uma mulher com um menino pequeno no colo, batendo palma animado, me chamou. O problema: ela e o marido trabalham com reciclagem e juntam o material na beira do córrego. Outros, segundo ela, jogam lixo no mesmo lugar, e ela tenta separar, recolher, queimar.
Nosso (super) encarregado de limpeza, um trator pra trabalhar, firmíssimo e corretíssimo, faz um acordo: "A senhora então precisa fazer um cercado para o seu reciclável, e não deixar acumular muito. E não vale recolher entulho e trazer para despejar ali". E nos comprometemos a tentar uma caçamba com a Limpurb, para colocar o lixo orgânico da favela, não misturando mais com o material seco.
Porque deu um trabalho louco para limpar o córrego, que antes estava completamente possuído por mato e lixo e agora está "só" poluído.
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"É verdade que a alça nova da Castelo vai passar aqui por cima?". Não, não é. "É que saiu no jornal...". Eu sei, mas nem tudo que sai no jornal é verdade. "E aquela bacia de compensação, não dá pra aterrar e fazer alguma coisa em cima?". Não, que eu saiba não dá, se a gente impermeabilizar ali vai acabar sobrando água em algum outro lugar.
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É impossível dar três passos ou passar dois minutos sem ser abordada - normal, é do emprego. "E quando você vai mandar Fulano e Sicrano embora?". Fulano e Sicrano, como quase todo mundo na Subprefeitura, são odiados por uns e muito bem quistos por outros. Eu disse que vou gravar os depoimentos contra e favor, tocar em um alto-falante e fazer um plebiscito. "Eles ficam ou vão?".
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Dali a pouco, me procuram quatro homens que estão ocupando um imóvel vazio nas redondezas. Eu soube do caso: semana passada, vieram me avisar. "Invadiram um prédio perto da favela do Humaitá". "Um prédio? Que tipo de prédio? Em construção? Abandonado?". Foram verificar. "Uma construção abandonada. É área particular. E o pessoal diz que invadiu porque 'a Soninha prometeu casa e não arrumou'. Eles eram daqueles barracos em cima do córrego".
Oh shit. Os barracos em cima do córrego.
(continua)
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