domingo, 29 de março de 2009

Sábado e domingo - parte 2

Um dia saiu uma equipe da Subprefeitura dizendo que ia derrubar "barracos vazios, que estão construindo para vender, não tem ninguém morando. Precisamos desmanchar antes que sejam vendidos; não podemos autorizar ninguém a morar pendurado ali no córrego".

Então tá. Ainda perguntei mil vezes: "Vazios? VAZIOS?". "Vazios".

Dali a dois dias, aparece um grupo de pessoas na Subprefeitura dizendo que seus barracos tinham sido destruídos enquanto estavam fora, no trabalho. Seus pertences, largados no córrego, jogados no lixo, destruídos.

Não havia muito que eu pudesse fazer por eles. Pedi socorro à Assistência Social, que não podia oferecer quase nada além de vaga em albergue - inadequados para 90% dos casos (famílias com crianças). Ficamos na mesma. Eles foram embora insatisfeitos, eu fiquei insatisfeita, mais um problema crônico para resolver.

Pegamos os nomes, contatos, número de pessoas por família, mas não conseguimos avançar nada além disso. Um deles, apenas, mais exaltado, exigiu roupas novas para o trabalho. Prometemos arrumar para o dia seguinte.

Não demorou para descobrirmos que o nome que ele tinha dado era falso, o telefone de contato também, o nome da mãe idem... Um aproveitador infiltrado, com passagem pela polícia (o que, em si, pode não querer dizer muita coisa, mas na soma dos fatores era mau sinal). Que, quando apareceu no dia seguinte, questionado sobre o nome falso, ameaçou funcionários da Subprefeitura - na linha "já apaguei um, não custa apagar outro", essas coisas. Chamamos a polícia, fazer o que?

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Ontem revi as outras famílias, que me levaram ao tal galpão em que estão "morando". É como se cruzássemos um portal e chegássemos ao Afeganistão depois da guerra. Um absurdo. Um imóvel ENORME à venda, semi-destruído; um terreno fadado a virar condomínio de luxo, imagino. Enquanto isso, as famílias acampam nos destroços - limpando, varrendo, improvisando paredes, cortinas, fogões. Uma mãe banhava o filho com uma canequinha.

"Então, dona Soninha? O segurança diz que eles vão chamar o Choque e tirar a gente daqui à força. A gente só quer um lugar pra morar. Tiraram a gente de onde a gente tava e agora, vou pra calçada com meus filhos? A gente tem alguma renda, não dá pra pagar um aluguel mas dá pra pagar uma taxinha, não tem um lugar pra gente?"

Eles trabalham na Ceagesp e arredores - tudo bico, naturalmente. Algumas crianças estão matriculadas nas escolas da região, outras não conseguiram vaga. Têm medo de apanhar, perder o lugar e os pertences. "De outra vez, queimaram os nossos colchões, até o colchão do nenê. A gente nem dorme à noite com medo. No dia seguinte, é ruim de trabalhar, cansado e com medo de deixar as mulheres e as crianças sozinhas aqui".

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Conversamos, falei sobre as possibilidades, as impossibilidades, as minhas atribuições e os meus limites, os nossos erros e sobrecargas. "E aqueles predinhos no Jaguaré?". Aqueles são para as pessoas da própria favela. Sabe quantas famílias vivem ali? Quatro mil! "E aqueles depois da Ponte dos Remédios?" Um interrompeu: "Ali é Osasco, não é ela". "Mas ali eles vendem baratinho e não é só pra quem é sem-teto, é quem puder comprar, aí vai um cara com mais dinheiro e compra três ou quatro, é justo isso?". Prometi ver, tentar entender, quem sabe falar com o prefeito de Osasco se for o caso.

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Posso tirar umas fotos? "Pode, claro!". E eles faziam questão de me levar cada um até seu cantinho, numa mistura doida de orgulho da arrumação que fizeram e indignação pelas condições terríveis em que vivem - ainda por cima, ameaçados de ficar sem ao menos aquilo.

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De volta à praça, um grupo veio me pedir para visitar o Clube da Comunidade, antigo CDM - para o qual a Associação do Humaitá tem grandes planos. Ele estava muito descuidado, com mato alto etc. Demos um trato. A reunião com a comunidade para falar do mutirão, na quarta à noite, foi ali, em um galpão de lata, ajeitadinho mas desconfortável.

Outros galpões já foram usados como creche por uma outra associação, e eles têm muita mágoa dessa história até hoje - porque, pelo que entendi, a parte de esporte ficou largada, inviabilizada. A estrutura que tinham começado a fazer para um ginásio foi demolida. E agora têm um superprojeto de reforma, ambicioso e modesto ao mesmo tempo (porque se trata apenas de ter quadras ótimas, dois andares de salas para atividades diversas, duas pistas de bocha... É o básico para um clube, mas uma grande intervenção para a Subprefeitura/Secretaria de Esporte, que tem um milhão de outras coisas para providenciar). Em todo caso, vamos colocar na lista de "adoraria fazer".

Por enquanto, o Supervisor de Esporte vai tentar transferir algumas das atividades do Pelezão (Clube Municipal no Alto da Lapa), que, segundo ele, têm baixa procura, para esse Clube no Humaitá. Vamos ver se dá certo.

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As mães da favela, por sua vez, vieram me pedir creche. "Antes tinha creche ali no Clube, aí fechou. Ainda tem as salas, os brinquedos das crianças... Por que não volta a creche pra lá?".

A Associação não quer nem ouvir falar (pelos motivos citados acima). "E o nosso sonho do clube? Da outra vez que veio a creche, parou tudo, estragou o que já tinha".

Socorro. Chamem a ONU, o Judiciário, mediadores de conflito. Eu preciso de lugar para uma creche!

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E para uma AMA...
E moradia popular...

(continua abaixo)

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