quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Tarifa Zero? Eu... discordo.


E vou explicar por que.

Todo transporte tem um custo. O não-motorizado é “movido a arroz e feijão”, como dizem os cicloativistas; o motorizado sai bem mais caro. Tem o custo do veículo, combustível, manutenção, conserto, peças, impostos, seguro, estacionamento. O transporte coletivo tem todos esses + os salários + manutenção de todo o sistema – pontos, terminais, garagens, monitoramento, fiscalização. 

O custo do transporte coletivo, mesmo com todos os defeitos que ele possa ter (aqui no Brasil tem muitos), é alto. Ele é bancado pelas tarifas, receitas extra-tarifárias (espaço publicitário, por exemplo) e recursos públicos.  Acho que são raros os sistemas que não tem aporte de dinheiro público para seu custeio - o chamado "subsídio" (que se pronuncia sub-sídio - como "sub-sede").

Se apenas a soma das tarifas tivesse de bancar os custos do transporte, elas seriam muito mais altas. Sem falar que um bom número de passageiros já não paga tarifa completa – há muitas isenções (idosos, pessoas com deficiência, policiais militares etc), gratuidade ou meia para estudantes e, nos sistemas com “Bilhete Único”, isto é, em que um número de baldeações é permitido sem novo pagamento de passagem, o passageiro acaba pagando metade ou um terço do valor por cada passagem (porque paga uma e pega três conduções diferentes). O custo é o mesmo; quem banca a diferença? A prefeitura. (Ou o estado). (Ou, no caso do Vale Transporte, o empregador).

Para completar, então, o valor da tarifa, a prefeitura de São Paulo entra com centenas de milhões de reais todos os anos. E aí tem gente que interpreta assim: “a prefeitura dá dinheiro para as empresas”. Não, ela não “dá dinheiro”. Ela paga pelo serviço prestado.

Tem gente que acha que, se o sistema fosse estatizado, a prefeitura economizaria milhões porque não precisaria mais bancar “o lucro das empresas”. Eu discordo.

Quando comecei a estudar mais a fundo esse assunto, encontrei um estudo do Ministério das Cidades – quando ele ainda era sério e se propunha a estudar de verdade os problemas das ditas cujas – que mostrava o impacto de cada despesa na composição da tarifa. Insumos, salários, impostos e encargos, a renovação da frota,  etc. E a “taxa de retorno” ou “remuneração” das empresas concessionárias – que correspondia, em média, a 6% do valor da tarifa.

Portanto, uma empresa concessionária ganha sim, muito dinheiro – ou não haveria uma guerra sangrenta em torno das concessões. Mas é porque ela recebe um bocadinho sobre cada passagem inteira de milhões de pessoas (acho que 3 milhões por dia em São Paulo). Ou seja, se não houvesse esse ”lucro”, a passagem poderia ser... uns 6% mais barata.

E a prefeitura, por sua vez, se assumisse todo o sistema, precisaria adquirir (desapropriar, no primeiro momento...) 15 mil veículos, administrar uns 50 mil funcionários concursados e estáveis, providenciar todos os parafusos e porcas e abastecimento e segurança das garagens e manutenção e parte jurídica e etc. Significaria ser a única “dona” de um verdadeiro mastodonte, com toda a dificuldade de gestão que isso representaria.

Eu concordo com a escolha feita nos últimos anos (a que vigora no momento é fruto de um contrato assinado no governo Marta, antes que digam que é o “jeito tucano” de fazer): concessão. Empresas operam as linhas e a prefeitura é quem “manda” nelas e responde pela gestão do Sistema.

Se na prática isso funciona mal, é porque a prefeitura é uma má gestora, não porque o modelo está errado. Linhas precisam ser reformuladas, criadas ou extintas; pontos e terminais precisam de reformas; a frota precisa ser renovada DIREITO; é preciso oferecer mais conforto para funcionários e passageiros e mais e melhores informações sobre o Sistema. E essas nunca deixaram de ser obrigação da prefeitura; é ela quem toma pau, como deveria tomar, qdo o Sistema não funciona direito.

***

A tarifa precisa ser mais barata? Sim, porque ainda representa muito % em relação a essa porcaria de salário mínimo que a gente tem no Brasil. E a melhor maneira de obter isso é reduzir o custo, o que pode ser feito com algumas medidas:

- MELHORAR A GESTÃO do Sistema – se os corredores fossem operados direito, por exemplo, os ônibus ficariam menos tempo parados no congestionamento DO CORREDOR (!); gastariam menos combustível, fariam mais viagens, seriam mais eficientes e portanto atrairiam mais passageiros, que poderiam viajar com mais conforto do que hoje (uma das razões do ônibus lotar é que ele demora para passar, órraios).

- DIMINUIR o custo dos insumos – aí entraria por exemplo o senhor governo federal, que tem uma política de subsídio para a gasolina dos automóveis particulares mas senta a bota no óleo diesel. Essa porcaria de diesel que é distribuída no Brasil, apesar do CONAMA ter determinado que melhorasse anos atrás.

- RENOVAR a frota de modo a melhorar a EFICIENCIA ENERGÉTICA, inclusive com outras matrizes – mas aí também não adianta usar eletricidade se a tarifa cobrada ao transporte coletivo pelo valor mais alto!

- BUSCAR outras receitas – a tal da publicidade (bem regulamentada, não me oponho a ela), um subsídio maior por parte dos empregadores, e... pedágio urbano, cobrado dos particulares para financiar o coletivo.

- REVER algumas isenções. A meia para estudantes, por exemplo – beneficia o aluno da escola pública mas também o aluno do Dante, para quem a economia não faz a menor diferença. Podia ser garantida para 100% da rede pública E para os alunos da rede privada que comprovassem necessidade. Sei lá, é só uma idéia.

“Mas e se a tarifa fosse zero”? A prefeitura teria de bancar o custo total, e isso significaria um absurdo de dinheiro, por mais que ela caprichasse nas medidas acima. E a prefeitura não pode apenas custear o transporte de hoje, ela precisa investir e muito no transporte de amanhã. E gastando milhões todo dia, perderia muito a capacidade de investimento!

Além de todas essas questões racionais, matemáticas, tem outra menos “calculável” mas imaginável . Com a tarifa zero, quem garante que as pessoas não iriam pegar ônibus para tudo – incluindo trajetos que poderiam fazer a pé? Oras, se é “grátis”, por que não pegar esse ônibus que está passando aqui e descer dele no próximo ponto? Ok, admito, pode ser só viagem minha. Mas pode não ser!!

Pra encerrar, preciso insistir em um ponto fundamental: não há sistema de transporte no mundo, por mais bem gerido que seja, que dê conta da nossa demanda aqui. Porque são milhões e milhões de pessoas fazendo o mesmo trajeto todo dia no mesmo horário; porque milhões de pessoas são obrigadas a atravessar a cidade para trabalhar/ estudar. Ou a cidade se reorganiza de modo a oferecer trabalho, estudo, abastecimento e lazer perto de onde as pessoas moram (e para garantir moradia perto de onde tudo isso já existe), ou os ônibus estarão sempre lotados no horário de pico. (Fora do horário de pico ou no contrafluxo, eles já circulam dolorosamente vazios). Um tremendo desperdício, já que a rua do lado de fora está entupida de carros...

5 comentários:

  1. Precisa tirar os táxis dos corredores também, táxi não é transporte coletivo, é transporte individual compartilhado.

    Precisa troncalizar algumas linhas, linhas com rota muito similar deveriam ser fundidas, projetar linhas mais curtas com o onibus mais curtos, evitar que as linha sejam longas demais, afinal uma linha de ônibus não precisa ligar a ZN com a ZS ela teria que ligar até o centro, e do centro ligar a ZS

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  2. Boa noite, Soninha.

    Gostei muito do seu post, alguns meses atrás eu escrevi sobre algo parecido no meu blog, não falei sobre a tarifa zero, mas sim sobre os transportes na cidade de São Paulo em si.
    Na verdade, acabei falando , entre outras coisas, sobre a mobilidade urbana e sobre os corredores de ônibus, penso que essas duas ideias ajudariam demais a nossa mobilidade.
    Os corredores hoje são uma maneira das empresas quererem ganhar mais dinheiro, pois, existem inúmeras linhas que fazem o mesmo trajeto e passam todas no mesmo horário. Oras pois, não seria mais inteligente apostar em um onibus bi-articulado que passe a cada 5 ou 10 minutos e faça o mesmo caminho?
    Sobre a mobilidade, penso que o Centro da cidade seria a grande solução para os problemas, as pessoas tem que voltar a morar lá, é necessário uma política séria para uma verdadeira revitalização do Centro.
    Enfim, acho que me alonguei demais, rs, gostei muito do seu blog, com certeza passarei aqui mais vezes para te elogiar, criticar e encher o saco mesmo, rs.

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  3. Agora 6% apenas?
    Informação muito valiosa, bom mesmo de saber!
    Agora, EFICIENCIA tem acento e povo continua sem assento no onibus...

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  4. Lucas Costa, DE ACORDO!! Troncalizar, "fundir" linhas similares, criar baldeações racionais em vez de trajetos longos e tortuosos... É isso! O sistema de ônibus nos corredores de alta demanda pode ser bem mais parecido com o funcionamento do metrô.

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  5. Eu entendo os argumentos apresentados, e concordo apenas parcialmente. Estou convencido de que se o transporte por ônibus fosse gratuito muita gente deixaria de usar o carro para se deslocar e o custo do transporte público diminuiria drasticamente, já que os congestionamentos seriam menores.

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