segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Mau humor vespertino

O mau humor bateu de manhã, como sempre, ao dar uma olhada no noticiário. Eu que só vim para o blog agora.

A Folha de São Paulo de hoje conseguiu fazer uma manchete de primeira página que isenta a presidenta de  responsabilidade pelo caos energético no Brasil.

"Escassez de luz faz Dilma convocar o setor elétrico"

Primeiro, a escolha da palavra "escassez". Neutra. Demais. Governistas podem achar que é até forte, "como assim escassez, não é caso pra tanto". Mas é uma palavra que remete à contingências, mais usada para se referir a forças da natureza. Escassez de chuvas, escassez de alimentos... Enfim, não é uma palavra crítica, como "problemas", "crise", "risco", "ameaça". Aliás, o "risco de apagão" está ali - em letras pequenas.

Capa de jornal é decidida com muito cuidado. Nada é sem querer.

Aí a escassez, que parece obra da natureza, faz Dilma "convocar setor elétrico". Nenhuma palavra do título dá a menor, a mais remota ideia que o governo tem responsabilidade sobre a situação. Parece que Dilma, preocupada com algo que mal é da sua conta, teve que se mexer senão ninguém o faria.

ZERO contundência. Como se o problema não fosse muito grave. Como se Dilma não fosse triplamente responsável pelo estado das coisas, tendo sido Ministra de Minas e Energia, a gerenta do PAC e seu espetacular cronograma de obras de infraestrutura, e, oras, atual presidenta, herdeira do próprio legado.

"Dilma convoca setor elétrico". Puxa, valeu! Assim é que se faz! Mostra pra eles, Dilma!

F.

(Eles faziam tanta questão de usar "setor elétrico" que tiveram de inventar uma expressão meio tosca, "escassez de luz". Se fosse "convoca ministro" seria melhor, embora continuasse dando a impressão de que ela bateu a mão na mesa e é a tal. É release de agenda. Não precisa ser uma Veja, mas assim também não dá. A Folha tem muito medo de patrulha, impressionante).

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A matéria, ao menos, é crítica. Começa assim:


Racionamento de luz acende sinal amarelo

Pouco depois de descartar problema, Dilma chama reunião de emergência por causa de nível baixo dos reservatórios

Participantes tiveram que cancelar agendas; técnicos criticam governo e veem risco 'acima do prudencial'


Dez dias depois de dizer que é "ridículo" falar em racionamento de energia, a presidente Dilma Rousseff convocou reunião de emergência sobre os baixos níveis dos reservatórios, para depois de amanhã, em Brasília.
A reunião foi acertada entre Dilma, durante suas férias no Nordeste, e o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão, que a presidirá. Balanço e propostas serão levadas diretamente à presidente.

Alguma dúvida de que a chamada de capa é bem mais suave do que o texto em si?? A foto que ilustra a capa é forte, mas se a presidenta "sounds like" a salvadora, tanto pior.

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E essa agora? São 4 notícias sobre economia. TRÊS ruins. A que aparece em destaque, com letras maiories, é a única com "viés positivo".



Aí teve a reportagem sobre os cinco pronto-socorros que ficaram sem médicos no Distrito Federal. Sem apurar direito, a Globo decidiu: foi por causa da prova de residência médica. O funcionário de uma das unidades disse que esse era um fim-de-semana peculiar por causa dessa prova, que estaria sendo feita por vários profissionais. Ouvido, o Secretário de Saúde disse que não tem nada a ver; que a prova de residência é para quem quer entrar no serviço médico, não para quem já está lá. E... PRONTO, acabou a apuração. Um diz, o outro diz, fim. Problema seu descobrir quem tem razão, se os médicos faltaram porque foram fazer mesmo a prova ou faltam sempre...

Tá mais no que na hora de por em pauta a assiduidade de funcionários públicos, especialmente das áreas de Saúde e Educação, onde muitos, como o neurocirurgião que deu cano no plantão de Natal, alegam "falta de condições" (e podem até ter razão!) e... não vão trabalhar. E... fica por isso mesmo. Os estatutos de servidores permitem um número x de faltas abonadas, não justificadas e o escambau.

Imagine se isso valesse para motoristas de ônibus, se policiais e merendeiras e faxineiras se utilizassem do mesmo expediente, se o lixeiro simplesmente não fosse trabalhar em protesto contra a escala injusta.

Que se organizem, protestem, processem o Estado, o diacho. E, em último caso, paralisem o serviço - atendendo, pelo amor de Deus, às determinações da Justiça quando ela estipular a porcentagem mínima de atendimento obrigatório.

Que, se bobear, será maior do que os atendimentos oferecidos "normalmente".

Não estou isentando a responsabilidade dos governos não - até porque "batem" pouco, muito pouco nas administrações Cabral, Agnello... Qdo falam em violência nas cidades-satélite também parece que é um fenômeno social sobre o qual o governo não tem culpa nenhuma. Mas não há governo no mundo que sustente um serviço público de qualidade sem servidores comprometidos. Se o trabalho é insuportável, pede pra sair.

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Por que de uns tempos pra cá a Rota virou a tropa "de elite" da polícia de São Paulo? Quem começou com isso? É como o comando passou a se referir a ela ou foi a mídia que espontaneamente a denominou assim?

Eu, hein.

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Para evitar que os apresentadores no estúdio entrassem sorrindo depois de uma matéria triste ou coisa parecida, começaram a adotar cada vez mais o hábito salutar de comentar na volta do VT. Agora virou obrigação e eles falam qualquer coisa só pra não passar em branco em horas em que não precisava/ era melhor não falar. Dão aquela risada forçada, dizem "parabéns!" como se estivessem acrescentando alguma coisa... Qdo eu escrevia para os VJs da MTV, ou já previa um texto para o "desanuncia" - "Essas imagens do final são uma citação ao filme tal..." - ou conversava antes com o VJ ("Vc já viu o clipe? Lembra como é a sequencia final? Tem alguma coisa que você gostaria de dizer sobre ela ou posso te passar uma informação?").

Tem horas que eu tenho saudade de trabalhar em televisão. Nos bastidores. 

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