sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Orçamento for Dummies*

(Primeiro post de uma série)

O Orçamento de uma cidade é estabelecido em Lei. O Executivo manda um projeto para a Câmara Municipal e os vereadores podem aprovar como está (nunca acontece) ou propor modificações.

É aqui que entram, por exemplo, as famosas "Emendas Parlamentares", que são exatamente isso: modificações feitas no Projeto de Lei do Orçamento pelos parlamentares (no caso, os vereadores). Em geral, são destinadas a algum projeto específico, exemplo: "R$1 milhão de reais para obras de urbanização no Jardim Pantanal".

O Projeto de Lei vai para a Câmara no começo do segundo semestre e diz respeito ao ano seguinte. Depois que ele é votado no plenário, a Câmara entra em recesso. Dependendo dos embates e negociações, a votação demora mais para acontecer ou menos. Se terminar o ano e ele não for votado, o orçamento do ano anterior fica valendo (é uma explicação bastante simplificada, não vou me aprofundar aqui).

Uma das "moedas de troca" normalmente exigidas pelos vereadores para aprovar o Orçamento é que suas Emendas sejam aceitas. A Liderança do Governo na Casa - isto é, o vereador formalmente designado para fazer a ponte entre o Executivo e o Legislativo nas discussões de Projetos de Lei - pode aceitar, por exemplo, que cada vereador tenha direito a R$2 mi em Emendas. Com compromisso de Execução ou sem.

Execução é sinônimo de realmente gastar o dinheiro naquilo que foi previsto no orçamento. Porque também é razoavelmente fácil dizer "vamos investir um bilhão em obras do metrô" e...  não fazer nada. A imprensa anuncia, as pessoas comemoram e nada acontece. (Como é fácil concluir, é muito comum, hmpf). Por isso é importante acompanhar a Execução Orçamentária, que deve estar disponível na internet. (Se não for fácil de achar, não adianta. Se estiver fácil mas for quase impossível de entender, também não adianta).

Quando a Emenda é com compromisso de Execução, significa que o governo vai analisar muito bem antes de aceitar. O vereador não pode jogar qualquer coisa lá e o prefeito se comprometer a fazer. Quando é sem compromisso de Execução... É isso mesmo que acontece, "vale tudo". E o vereador, por incrível que pareça, sai "ganhando" porque diz para sua base: "EU INCLUÍ no Orçamento. A prefeitura não fez porque NÃO QUIS".

Ou seja - ele não queria REALMENTE resolver um problema, queria fazer média. Acontece MUITO.

Exemplos concretos: um vereador elaborou uma Emenda estabelecendo que a prefeitura iria reformar o teatro em uma Escola Estadual. Outro, do PT como o primeiro, reservou R$20 milhões para o Bilhete Único do Desempregado. A Emenda foi aprovada no final do governo Marta - como ela não tinha sido reeleita, os critérios de aceitação foram ainda mais frouxos do que em outras ocasiões. O que passasse ali seria problema do prefeito seguinte.

Não deu outra: a gestão do Serra não criou o Bilhete Único do Desempregado porque concluiu que seria inviável (nem vou discutir isso agora). E o vereador autor da Emenda protestou enfurecido: "Tinha dinheiro no orçamento!". Bem, bem... 1) No Orçamento tem a PREVISÃO, não o dinheiro propriamente dito. Ele é, como se diz, a "Estimativa das Receitas e Despesas". Pode estar no Orçamento mas não ter dinheiro de verdade. Acontece nas melhores famílias. Pode ser sacanagem (desde o começo sabiam que não ia ter $ pra aquilo) ou contigência (crise econômica fez com que caísse a arrecadação). 2) R$20 milhões não dariam nem para um mês de Bilhete Único do Desempregado. Eu fiz as contas.

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E a população, interfere como nesse processo?

Ao longo da tramitação do Orçamento, acontecem várias Audiências Públicas, temáticas ou regionais. No dia tal de tal, Audiência Pública sobre o Orçamento para a Educação. Depois tem uma rodada de Audiências em cada Subprefeitura e por aí vai.

QUALQUER UM pode ir a uma Audiência Pública. Primeiro é feita uma apresentação (inevitavelmente resumida e simplificada) do Projeto de Lei e depois as pessoas podem se inscrever para falar.

Problemas: 1) A apresentação teria de ser mais aprofundada, detalhada, mas não há tempo pra isso. 2) As pessoas deveriam se informar melhor antes de ir para a Audiência, afinal todo Projeto de Lei está na internet. 3) Vão sempre as mesmas pessoas - as mais organizadas, que pertencem a associações, movimentos, sindicatos, partidos políticos. 4) A maioria nem fica sabendo que tem Audiência Pública, então não aparece nem se faz representar. Ou fica sabendo mas não pode ir. 5) As pessoas aproveitam a oportunidade de falar e a presença de "autoridades" para xingar, desabafar, discursar, protestar e tomam muito tempo, deixam tudo muito chato e fogem do assunto e do propósito. E tudo isso, inclusive a chatice, prejudica o processo.

Bom, quem já esteve em uma mísera reunião de condomínio ou de pais na escola do filho sabe como é. Enfim, humanos são complicados.

Outro modo de participar é abordar diretamente os vereadores - ir ao Gabinete, mandar email - e sugerir/pedir Emendas. Eu atendi a várias demandas recebidas assim. "Precisamos reformar a Casa de Cultura do Butantã e o orçamento da Secretaria não prevê dinheiro pra isso. Faz uma Emenda?". Fiz, dentro dos R$2 mi que me cabiam. Mas não queria fazer por fazer, então consultei o Secretário da Cultura e o Subprefeito para saber se eles iam mesmo usar o recurso. (Iam e usaram).

De novo, quem se organiza, se mobiliza, se disponibiliza tem mais chances de sucesso. Organizar-se é MUITO importante e efetivo em um regime Democrático.

E tem o modelo muito defendido pelo PT como sendo o melhor de todos - mais participativo, mais democrático e justo - que é o Orçamento Participativo. Eu adorava a ideia, até ver o quanto havia de falácia na prática.

O Orçamento de uma cidade é muito, muito complexo. Ele tem de estar de acordo com o Plano Plurianual (também uma lei que é aprovada no primeiro ano da gestão de um prefeito e vale para os quatro anos seguintes), com a Constituição e Leis Federais (lógico - elas estabelecem várias obrigações e "carimbam" recursos, isto é, dão destino obrigatório a uma parte da grana. "25% tem de ser investidos em Educação", por exemplo. Tem também a Lei de Responsabilidade Fiscal, que em resumo não deixa um prefeito gastar mais do que tem. Básico, né? Mas eu lembro de prefeitos que chegavam ao fim do ano sem dinheiro para pagar os funcionários públicos e coisas do gênero. Ainda há quem dê calote, mas isso é assunto pra outro post). Muitas outras Leis e Decretos condicionam a elaboração do Orçamento.

Em uma cidade como São Paulo, então... Centenas de milhares de funcionários, milhares de escolas, centenas de Unidades de Saúde. Pensa se é fácil.

O OP oferecia para as pessoas a possibilidade de participar da decisão de uma merreca do Orçamento. Até porque participar MESMO é realmente difícil, como espero ter demonstrado. Mas o governo vendia a ilusão (eu comprei, hmpf) de que o Orçamento estava sendo elaborado com a participação popular. Uma ova.

A prefeitura separava R$1 milhão e permitia que as pessoas decidissem: "O que vamos fazer com esse dinheiro aqui em Perus? Uma unidade de saúde, uma creche ou um centro cultural?". Tenham dó.

Para piorar, havia Conselheiros eleitos pela população para o OP. PARECE bacana, mas não é. No fim há meia-dúzia de pessoas tomando decisões por todas as outras. Grande vantagem. Ainda que o processo eleitoral não fosse aparelhado, seria uma representação chumbrega.

(Eleição "aparelhada" é quando um partido ou sindicato - são os que mais utilizam esse recurso, até porque tem dinheiro - usa o seu "aparelho", ou "máquina", ou estrutura para eleger um Conselheiro, Delegado etc. Então vai lá o seu Zé da Padaria querendo fazer parte do OP, mas a Dona Maria da ONG tem santinho, apoio de vereador, eleitorado cativo etc. O partido diz: "Atenção filiados, no dia 8 votem na Dona Maria". É errado isso? Não, as pessoas tem o direito de se organizar e mobilizar. Mas... Quando o poder econômico pesa, distorce o processo. E o tal do dinheiro pode ser usado, como sempre, de maneira errada. Comprando voto. Facilitando a vida do eleitor com ônibus fretado. Oferecendo um lanche para compensar o trabalho).

#acontecemuito.

E para invalidar totalmente o processo, aconteceu o seguinte na gestão da Marta: ela não executou quase nada do que foi decidido no OP!!! A população foi lá, elegeu seus representantes, discutiu, debateu, bateu-boca, se pegou e a creche ganhou a votação. E a creche não foi feita!!!!!!

Absurdo.

Portanto:

Participar de verdade da elaboração do Orçamento de uma cidade É DIFÍCIL. Acreditem em mim (ou não, vejam vocês mesmos) - a maioria dos vereadores não conhece a Lei pra valer e segue a orientação da liderança da sua bancada. Nem eles se debruçam sobre o Projeto todo.

(Bancada = vereadores eleitos por um determinado partido. Em cada bancada, um vereador é escolhido Líder pelos colegas).

O processo do OP era cheio de defeitos. As Audiências Públicas também são. O acesso direto a um vereador nunca será possível para todo mundo.

O jeito é participar O TEMPO TODO. Acompanhar e entender.

Também não é fácil. (Quase) todo mundo tem mais o que fazer.

Bom, eu vou tentar fazer a minha parte para ajudar. Esmiuçar o Orçamento de São Paulo para 2013 é o primeiro passo. Mostrar onde as informações estão disponíveis. E simplificar a vida de quem quer participar mas não sabe nem por onde começar.

Continua no próximo capítulo :o)

*"For Dummies" é uma coleção de publicações que procura traduzir tema diversos para as pessoas completamente leigas no assunto - de mecânica de automóveis ao mundo Wiki. Aliás, a Wikipedia tem um verbete sobre isso: http://en.wikipedia.org/wiki/For_Dummies . #Adoro

3 comentários:

  1. Seu projeto chega perto do ideal. Acho importante demais para um blog, pois o que se propõe a fazer gera conteúdo suficiente pra manter um site tratando exclusivamente desse assunto, além de facilitar a localização e organização dos conteúdos específicos. Muito bacana.

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  2. Aguardando ansiosamente pelos próximos posts! =)

    Sério, eu adoro quando você destrincha algum aspecto da vida política do país. Porque eu sempre entendo melhor. E aí, eu que nem sabia por onde começar a estudar o orçamento, agora já sei! Valeu mesmo! Você é muito didática!

    Entendo as crítica que você fez ao OP, mas ainda acho ele uma ferramente útil mesmo com esses defeitos. Em BH pelo menos, muita coisa rolou com OP (mas é obvio que aqui tb tem os problemas q vc relatou). Acho que as três açôes em conjunto OP, audiência publica, pentelhar vereador se complementam. Não dá para abrir mão de uma dela... Tem mais é que achar um jeito deles se tornarem mais eficientes.

    Lendo prum concurso da URBEL aqui de BH, achei um texto com exercicios/reflexões para tornar essas discussões em grupos mais efetivas. Achei muito legal, acho até que os mov. estudantis e suas insuportavelmente longas e inuteis assembleias, podiam aproveitar algo do livro para se reformular. O livro é "Desenvolvimento de um processo participativo", do Marcos Gomes. Se tiver de bobeira um dia e quiser dar uma lida... é bem interessante.

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  3. Sempre que eu puder (sabe como é, sou homem e só faço uma coisa por vez) vou ler suas postagens e fazer um esforço para entender como funciona todo esse louco processo de orçamento municipal. E desde já agradecido pela sua enorme disposição. (@japolitano)

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