sexta-feira, 5 de julho de 2013

Carioca Buarque

"Nós, da Zona Sul, tomamos conhecimento do que acontece na favela pela proximidade, sim, mas isso gera sentimentos ambivalentes. A gente tem até familiaridade com os moradores das favelas porque muitos deles trabalham como porteiros, empregadas domésticas, garçons. Mas a proximidade também gera um pânico que é constante. A gente ouve o barulho de tiro o tempo todo, a gente se acostuma (...). É diferente de São Paulo, daquela vida fechada nos condomínios, onde os bairros dos Jardins estão bem distantes da periferia. Aqui o sujeito sai de casa e vê o pessoal do morro por ali... E o barulho dos tiros... As pessoas da Zona Sul já sabem até identificar o tipo de arma pelo barulho do tiro... Esse é de fuzil, esse é tiro traçante... Já sabem do AR-15".

"Tudo isso gera no Rio uma tensão muito grande. É terrível, doloroso ter isso presente, é viver num alerta constante, e ninguém pode se alienar desse problema, não há lugar seguro, não há condomínio que possa fazer uma barreira contra tiroteio, o barulho chega lá e o medo também".

"Eu moro perto do morro Dois Irmãos. Vejo o morro e penso que não posso me levar tão a sério ao pé daquela montanha".

 "Na minha infância, no Rio dos anos 50, havia uma convivência muito natural entre a classe média e a gente pobre. Essa convivência se fazia na praia, no futebol e na música. No tempo do Beco das Garrafas os pianistas, todos brancos, tocavam junto com percussionistas, todos negros, e a música que faziam era a mistura do samba tradicional com elementos vindos de fora do país, um tanto do jazz americano, um pouco da chanson francesa. Essa convivência estava na música de Villa-Lobos, que misturava erudito e popular, ele conhecia muito Pixinguinha, adorava chorinho... E esse contato estava na música porque estava também no cotidiano da cidade. Ainda garoto, eu subia o Morro da Babilônia para soltar pipa e ver a paisagem lá do lado. (...) Não havia hostilidade. Não havia o tráfico de drogas, que criou essa tragédia carioca".

(No Chile, discute-se atualmente a flexibilização da lei antidrogas. É um tema a se discutir aqui também?)

Eu tenho uma canção que fala disso, de sonhos impossíveis, de um Rio onde maconha se compra na tabacaria e drogas, na drogaria. Mas talvez não seja tão impossível assim pensar nisto. Ao contrário, vai haver um momento em que teremos que discutir isto. Se as drogas são um flagelo, o tráfico é muito pior. (...) O Rio virou entreposto de cocaína e aqui você vê garotos cheirando e vendendo cocaína aos 7 anos. Isso não existe nos Estados Unidos e na Europa (...)"

"No começo do governo Lula, quando Márcio Thomaz Bastos foi nomeado ministro da Justiça, tive esperança que este assunto fosse levado a debate. Eu me lembro que ele era a favor da descriminalização da maconha. E depois não se falou mais nisso..."

Subúrbio [trechos]
Letra e música de Chico Buarque

Lá não tem brisa
Não tem verde-azuis

Fala Penha, Irajá
Olaria, Acari, Vigário Geral
Piedade
Casas sem cor
Ruas de pó, cidade
Que não se pinta
Que é sem vaidade

Lá não tem turistas
Não sai foto nas revistas
Lá tem Jesus
E está de costas

Fala Maré
Madureira, Pavuna
Fala, Inhaúma
Cordovil, Pilares
Espalha tua voz
Nos arredores

Fala Penha, fala Irajá
Fala Encantado, Bangu, Realengo
Meriti, Nova Iguaçu
Fala, Paciência

(Chico, entrevista pós lançamento do CD "Carioca")

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