quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Minhocão

Prólogo

1º de ano, levamos algumas coisas que sobraram da celebração no templo budista para o Minhocão, onde conheço algumas pessoas. Mas nem precisava. Encosta o carro, abre a porta, oferece doces e frutas, já vem alguns menos desconfiados. “Tem alguma coisa salgada”? “Tem, o pessoal levou pra lá [uma roda no canteiro central], tem bastante”. “Não tem mais para eu levar comigo? É que eu moro em outro mocó”, disse a moça. Em outro vão debaixo do Elevado Costa e Silva.

“Tem roupa?”, pergunta um. Tinha. Roupa boa, nova, cuidadosamente dobrada, para dar para quem estivesse precisando.

Depois de levar um pacote de chocolate para o grupo, um rapaz volta. “Posso pedir uma coisa”? “Pode. Se eu puder...”. Esperava qualquer pedido: passagem pra voltar pra minha terra, dez reais pra comprar farinha, ajuda para tirar documentos (foram os mais recentes, na véspera do Natal). “Arruma um tratamento pra mim. Não aguento mais. Voltei agora do Pronto-Socorro, [foi por causa do] pulmão”. Falou sério, sem drama. (Tem tanto drama e dramatização...) “Claro, vou ver o que consigo fazer. Nos próximos dias não vou estar em São Paulo, mas volto daqui a uma semana”. 

Medo de ele não segurar as pontas até lá. Medo de ele desistir de buscar tratamento. 

Capítulo 1

Uma amiga estava junto, sentiu sinceridade no pedido e voltou enquanto eu estava viajando. Perguntou por Luis, crente que era esse o nome. Depois de uma sequencia de “não está aqui” nos vários vãos, alguém disse “tá lá no PS”.

Foi ao PS Barra Funda, entrou na boa (às vezes "embaçam", não deixam, mas ela explicou o intuito), andou pelos corredores perguntando “Luis?”. Ficou horrorizada com a cena que todos sabemos mas poucos vemos: gente nos corredores, deitada ou recostada no chão. Muito morador de rua. Tinha Luis nenhum.

Eu: “Não era Luis, era André!”. “Nossa, lembro tão bem da fisionomia dele, troquei o nome??!”

Capítulo 2

Voltou, perguntou, encontrou o Alberto (o nome é outro, esse eu inventei). Que continuava totalmente disposto e ansioso por tratamento. Ela me ligou com ele do lado, conforme o combinado.

Eu já tinha perguntado em um CAPS-AD pelo qual passo sempre qual “o procedê”, como diriam. “Moram debaixo do Minhocão"? Teriam de ir ao CAPS Pinheiros, fora da mão pra mim e pra eles. “Você vai ficar como referência deles? Então traz comprovante do seu endereço e a gente passa eles pela triagem e depois vê onde vão se tratar de fato. Eles tem documento”?

Sei lá. Descobriria depois. 

***
Expliquei por telefone para Maria minha amiga, ele tinha documento sim. Combinamos às 10h30 do dia seguinte na frente da estação de metrô


Capítulo 3

Eu tinha receio de ele não aparecer, ela também. Mas ele estava determinado mesmo. Catou as posses todas (em uma sacola de supermercado) e se despediu do pessoal, que desejou sorte. 

O João, com quem já encontrei muitas vezes (que canta “King of Pain” (Police) sem errar uma palavra e sabe exatamente o que está dizendo) fez sua costumeira cara triste e disse que queria ajuda também. “Meu problema é o álcool”. “Ué, você não falou outro dia que largou o crack mas em compensação cheira muito”? Riu falsamente encabulado, tentou negar mas viu que já era. “Maconha, cocaína e bebida”. “Por que não fica só com a maconha, homem”?

No fim, não quis ir com a gente. Quer que eu interne a força a namorada dele, "que tá no crack lá no parque Dom Pedro". Eu a conheci no Natal – carioca, negra, bem baixinha, tem vinte e poucos anos e não sabe ler. Figura. Pergunta PRA ELA se é namorada dele? “Já fui, gostei dele pra caramba, mas não dá. O cara quando bebe fica ignorante”. 

Outro também perguntou “tem mais uma vaga nessa barca”? Pegou o “kit” (todos os pertences em uma sacolinha, como o outro) e embarcou no metrô com a gente sentido CAPS.

[Continua nos próximos posts... E continua, e continua...].

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