Editorial do Estado de São Paulo sobre o Vale-Cultura traz as seguintes informações:
“Concebido nos moldes do vale-refeição, ele consiste num cartão magnético fornecido pelas empresas aos trabalhadores, permitindo-lhes adquirir ingressos de cinema, teatro, shows, livros, CDs e DVDs. Para Lula, pela primeira vez a União estaria investindo em consumo cultural. Até agora, segundo ele, as ações governamentais no setor só vinham privilegiando a outra ponta das atividades culturais, ou seja, o financiamento de livros, filmes, espetáculos de música e teatro.
Pelo projeto, as empresas que declaram o Imposto de Renda (IR) com base no lucro real poderão conceder um Vale-Cultura de R$ 50 por funcionário ao mês. Como contrapartida, elas terão o direito de reduzir até 1% do IR devido. As empresas submetidas a outros regimes tributários também poderão aderir ao programa, mas, em vez dessa dedução, só poderão contabilizar o valor gasto como despesa operacional. Para receber o Vale-Cultura, os trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos -cerca de 12 milhões de pessoas, segundo o Ministério da Cultura (Minc) - terão de pagar até 10% do valor do cartão. Para os trabalhadores que ganham mais do que cinco salários mínimos, o valor a ser pago pelo Vale-Cultura irá variar de 20% a 90%.
A utilização do cartão magnético permitirá ao Minc montar um banco de dados com informações sobre os bens culturais mais consumidos e sobre o perfil de seus usuários. O governo estima que, quando entrar em vigor, o Vale-Cultura aumentará em cerca de R$ 600 milhões o consumo cultural no País, propiciando renda para os artistas, criando novos postos de trabalho no setor e estimulando a iniciativa privada a desenvolver mais ações de responsabilidade social em benefício de seus empregados.
Onde houver trabalhadores demandando cultura, haverá uma ampliação da oferta de emprego, gerando microeconomias nessas regiões, diz o ministro Juca Ferreira”.
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Bacana, explicar o mecanismo (engenhoso, interessante, bem pensado e embasado) e os benefícios possíveis e desejáveis para empregadores e empregados, para os produtores culturais e o público pontencial.
Mas o jornal também fez ressalvas:
"O Vale-Cultura peca por falhas de concepção, como advertem os especialistas. A mais grave é o risco de que grande parte do dinheiro, em vez de ajudar na formação dos trabalhadores de baixa renda, vá para produtos e eventos culturais de grande apelo popular, mas com escasso teor educativo, como shows de axé, livros de autoajuda e comédias de gosto duvidoso protagonizadas por atores de televisão. Isso porque o governo não se preocupou em vincular o Vale-Cultura a medidas educativas, estimulando o professorado a aliar cultura ao currículo escolar, como tem sido enfatizado pelo Ministério da Educação, ou restringindo a concessão do auxílio a alunos da rede pública, com direito a levar os pais a eventos culturais dentro ou fora da escola.
Nos países desenvolvidos, quando o poder público concede incentivos ao setor cultural, ele tem a preocupação de vinculá-los a programas educativos e eventos de qualidade".
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Quando o Minc (Ministério da Cultura) começou a estudar o tema, eu tive algumas preocupações – semelhantes, até, às manifestadas pelo Estadão (e por "especialistas"). Basicamente, o fato de o cara poder usar o Vale Cultura para consumir um show da Mulher Melancia ou coisa parecida. Afinal, tem recurso público envolvido, que tipo de consumo o Estado vai subsidiar?
Por outro lado, o que se pode fazer? Com o Vale Alimentação o trabalhador também pode fazer uma refeição balanceada ou comer qualquer porcaria gordurosa. Não dá para tutelar todo mundo e dizer “Isso aqui é bom pra você!”.
Mas o jornal defende algo desse tipo, criando um precedente que eles mesmos chamariam de “perigoso" em outro contexto ("a ameaça da doutrinação esquerdista!"). Porque alguém tem que dizer o que é evento "de qualidade", e quem terá esse poder? O Ministério - isto é, o governo??
Um conselho formado por representantes de vários setores da sociedade? Isso seria interessante, permitiria o encontro visões diversas (a de quem acha que a Bela e a Fera versão Broadway é o máximo e de quem prefere o Teatro Oficina, e por aí vai). Mas e aí, o conselho teria de avalizar ou não tudo quanto é produto cultural? Já imaginou a fila da avaliação??
E outra coisa é a visão de cultura vinculada a programas "educativos", ao "currículo escolar" e "alunos de escola pública". Para... Cultura vai muito além do "educativo" (e "educativo" vai muito além do "currículo escolar"!). E o pedreiro, a secretária, o balconista, o garçom, casados ou solteiros, com ou sem filhos na escola pública, podem (devem, merecem) ter o acesso facilitado ao consumo de produtos culturais.
O programa pode precisar de ajustes, mas isso não é motivo para que ele sequer exista!
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Pra completar, em vez de apenas discordar e criticar – o que é normal, razoável – o jornal esculacha.
“Cercado de artistas, inclusive cineastas e músicos que há muito tempo reivindicam mais auxílio financeiro do poder público, o presidente Lula transformou em comício eleitoral o lançamento da mais recente bolsa de seu governo - o projeto Vale-Cultura. Lançado sob a justificativa de fazer da cultura um item da cesta básica do brasileiro, ele foi enviado ao Congresso em regime de urgência, a fim de que possa ser votado no próximo semestre e entrar em vigor em 2010, quando Lula jogará todo seu prestígio para tentar eleger a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, como sua sucessora.
O projeto, por isso mesmo, prima por seu caráter eleiçoeiro. No discurso em que anunciou o Vale-Cultura, Lula afirmou que ele estimulará a criação de salas de cinema na periferia, dando aos trabalhadores o prazer de ver o filme sobre sua própria vida que vem sendo produzido pelo cineasta Fábio Barreto e que deverá ser lançado em 2010, antes do início da campanha eleitoral. Lula disse ainda que o nome da chefe da Casa Civil fora tantas vezes pronunciado pelos oradores na solenidade de lançamento do Vale-Cultura que, se tivesse um juiz eleitoral aqui, a Dilma estaria prejudicada.
(...)
Isso ilustra o caráter eleiçoeiro do projeto. Na realidade, No Brasil de Lula, o incentivo à cultura é só uma forma de ganhar votos e formar plateias".
Santa má-vontade, Batman.
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Então Lula transformou o evento em "comício eleitoral" (porque estava, em evento da cultura, "cercado de artistas"?!). Tudo bem que falar “Dilma” a cada três palavras é forçação de barra, mas qualquer lançamento de qualquer coisa pode ser (e é...) chamado de “eleitoral”, “eleitoreiro”. Olha, se o programa é verdadeiro e é bom, a autoridade pode festejar, se gabar, sem problemas. O que não pode é inventar, exagerar, distorcer, picaretear.
Ano que vem tem eleição. Lula quer eleger a Dilma sua sucessora. Mas se tudo o que o governo fizer (não esse, mas qualquer outro) for "eleitoral", pode parar tudo, ninguém faz mais nada...
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Sobre o regime de urgência: taí um mecanismo frequentemente mal utilizado, mas sabendo o ritmo das coisas no Congresso, compreensível. E o projeto está sendo elaborado há meses e meses; não é o Lula quem diz "façam isso agora e com urgência". Pode ser verdade em relação ao PAC e outros "programas" e obras (o PAC não é um programa...), mas não é o caso do Vale-Cultura.
Enfim, pior de tudo é dizer que, como o evento serviu de palanque (que seja), o programa em si é "eleiçoeiro". Eleiçoeiro porque Lula fez propaganda do filme sobre a vida dele? O filme pode ser "eleiçoeiro", mas o Vale Cultura não tem nada a ver com isso. Eleiçoeiro porque não é "educativo"? Que bobagem.
Mas esculacho é mesmo padrão na imprensa. O que muda é o alvo, conforme as implicâncias e preferências de cada um.
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O Globo, por exemplo, trouxe as seguintes informações:
Serra e Kassab anunciam mais vagas em programa
Adauri Antunes Barbosa
“(...) Para Serra, o JovemTec ataca em duas frentes que beneficiam os jovens: o desemprego e a formação profissional: — No estado de São Paulo, temos cerca de 40 mil ofertas de trabalho na área de tecnologia e informática que não são preenchidas porque não tem gente com qualificação.
Segundo Kassab, o JovemTec custará R$ 2,25 milhões e atenderá cinco mil alunos. O estado pagará R$ 60 por aluno e fará toda a organização da rede. O aluno terá ainda R$ 112 do benefício da bolsa, e o restante (R$ 278) será pago pela prefeitura. Os beneficiários serão alunos de 16 a 21 anos da rede pública estadual de ensino, que serão capacitados na área de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e farão estágios em escolas municipais. A capacitação terá 300 horas/aulas desenvolvidas em seis meses, mas o jovem poderá prolongar o aprendizado por mais seis meses”.
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Não entendi bem a divisão das despesas (que “restante” é esse que será pago pela prefeitura?), mas fora isso a informação é útil, relevante. Explica como funciona o programa e em que se baseia (vagas ociosas por falta de gente capacitada para preenchê-las, em área com grande potencial de crescimento e muito interessante para os jovens).
Mas... Esculachar é irresistível.
Foram DOIS parágrafos com informações, e SETE, repetitivos até, com deboche.
“Atendendo a pedido feito em público pelo governador de São Paulo, José Serra (PSDB), o prefeito da capital paulista, Gilberto Kassab (DEM), concordou ontem em dobrar o número de vagas do JovemTec, que custará R$ 2,250 milhões para beneficiar cinco mil alunos.
Depois, o próprio Kassab afirmou que os dois já haviam acertado, antes do início do evento, a ampliação do programa, um convênio entre estado e prefeitura.
(...)
Ontem, em seu discurso, Serra lançou dois desafios, à prefeitura e ao seu próprio governo, no lançamento do JovemTec: que o estado copie o programa e multiplique seus resultados e que a prefeitura amplie o número de vagas. Logo após falar isso, Serra interrompeu o discurso e perguntou a Kassab e ao secretário municipal Rodrigo Garcia, da Gestão e Desburocratização, se era possível dobrar o número de vagas, inicialmente previstas em 2.500. Os dois concordaram, balançando afirmativamente a cabeça.
— Então está dobrado — decretou Serra , sendo aplaudido pela plateia, formada por funcionários municipais, os jovens que estão inscritos no programa e suas famílias.
Depois da solenidade, Kassab revelou que o aumento de vagas já estava combinado: — Tínhamos conversado lá embaixo com o secretário”.
Tá, então o Serra fez um teatro bobo e pediu em público as vagas que o Kassab já tinha concordado em oferecer. Não precisava. Mas dizer isso duas vezes no texto também é meio bobo.
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Mais venenoso é dizer que ele foi “aplaudido pela plateia, formada por funcionários municipais, os jovens que estão inscritos no programa e suas famílias”, dando a idéia de claque paga. (Sendo que boa parte dos funcionários públicos não aplaudiria o chefe por obrigação ainda que tivesse uma arma apontada para a cabeça).
Mas pior, muito pior é dizer que “embora PSDB e DEM sejam críticos da política assistencial do governo federal, especialmente o Bolsa Família, o governo paulista e a prefeitura da capital têm lançado programas semelhantes aos do governo Lula. Ainda esta semana, Serra anunciará uma bolsa de estudo de R$ 210 mensais por um período de três meses para cerca de 40 mil pessoas em todo o estado”.
Em primeiro lugar, ser crítico de uma determinada política assistencial não significa ser contra qualquer política assistencial. Segundo, dizer que bolsa de estudo é “semelhante” ao Bolsa Família é uma bobagem sem tamanho. Se dissessem que é “semelhante” ao Prouni (que banca vagas em faculdades particulares) seria aceitável, mas ao Bolsa Família??
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Engraçado é que o texto tem um viés negativo, mas o título acabou saindo com tom positivo. É uma bagunça mesmo.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNo meu ponto de vista, o Estado simplesmente não deveria se meter nessa questão de patrocínio cultural, até porque, como vc mesma disse, é muito difícil classificar o que é ou não educativo, daí acabamos jogando dinheiro público pra bancar entretenimento. Com essa justificativa, acabamos bancando Circo de Soleil, show do Caetano e outros que poderiam muito bem se sustentar.
ResponderExcluirO desenvolvimento da cultura local depende muito mais da criação de estrutura (aí sim é papél estatal) e disciplina da divulgação de conteúdo enlatado (por que tudo tem que vir de Rio-SP?).
Olá a todos,
ResponderExcluirA iniciativa do Vale-Cultura é bastante louvável, porém há um problema central, que poderá quase anular os efeitos do programa: somente as empresas que apuram o IR com base no lucro real pode fazer a dedução do IR, o que limita o alcance do programa somente às grandes empresas. Garçons, domésticas, pedreiros, etc podem esquecer de participar... :(
Atenciosamente,
Flavio
Soninha.. A imprensa de um modo geral vende mazelas, e Críticas, e não mais idéias e opiniões infelizmente.
ResponderExcluirSoninha de Deus!Fiquei dois dias sem acessar o seu blog e quase que fico desatualizada?É vc quem está digitando as postagens ou é o seu gato?Lembro que em outra ocasião o seu gatinho deixou a marca dele...rsss.Dessa vez ele te ajudou? Vc está muito rápida nas informações ...rsss..
ResponderExcluirAmanhà entro com calma para meditar no que vc escreveu, ok?
Beijinhos
Lula cria a Bolsa-Circo
ResponderExcluirURL: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/gilbertodimenstein/ult508u600784.shtml
Lula ajudou a dar o pão, ao ampliar (corretamente, diga-se), o Bolsa-Família. Agora, na reta final de seu governo, está querendo dar o circo, batizado de Vale-Cultura. É um risco de desperdício de bilhões que só explica pelo clima de eleições para agradar trabalhadores, artistas e empresários. No final, quem paga quase toda a conta é o contribuinte. O empresário terá abatimento de imposto ao dar o Vale-Cultura para seus trabalhadores que, por sua vez, pagam a menor parte; o governo, ou seja, o contribuinte entra com o resto. É absolutamente previsível que o dinheiro público, tão escasso num país pobre e deseducado, vai acabar patrocinando shows e eventos populares, mas sem conteúdo educativo. Participo da experiência batizada de Catraca Livre (www.catracalivre.com.br), um banco de dados sobre o que existe de graça ou a preço popular na cidade de São Paulo. É gigantesco o número de ofertas culturais de alta qualidade, mas com baixa frequência dos mais pobres o que já é um monumental desperdício. Leia mais (27/07/2009 - 09h32)
Nunca se deve avaliar um país por uma cidade.
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