domingo, 29 de novembro de 2009

Amigos, inspiradores e bicicletas

Coitado do Neto, ex-assessor e amigo querido...
Conheci o Neto na campanha eleitoral de 2004. Acho que ele ainda fazia Direito na PUC. Terminada a campanha, veio trabalhar comigo no Gabinete. Sofreu com meu megaestresse na campanha de 2006, foi mais feliz (como eu também fui) na de 2008.
Ao longo do mandato, fez várias coisas diferentes – acompanhou temas como Juventude, LGBT, redação e pareceres sobre projetos de lei de modo geral. Com o tempo, acabou sendo o principal colaborador nos assuntos de mobilidade e, principalmente, bicicletas. Compramos juntos nossa primeira dobrável... Ele foi usando cada vez menos carro, cada vez mais bicicleta. E olha que fazia deslocamentos freqüentes de Perdizes até a Serra da Cantareira – se alguém disser que não dá pra pedalar em São Paulo por causa das ladeiras e tiver a idade dele, discordo :o)
Depois do fim do mandato o Neto foi trabalhar em Brasília, no Ministério da Cultura. Adora. Aprendeu horrores. Sofre um pouco também – com a falta de estrutura, a incompreensão de alguns (dentro ou fora do Ministério), algumas sacanagens (de governo ou de oposição), dificuldade de relacionamento com parlamento... Enfim, aquele cardápio básico da Administração Pública. Mas adora.
Neste fim-de-semana, quando eu soube que Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, estaria em São Paulo para um café na Secretaria Municipal de Esportes e um passeio pela Ciclofaixa, perguntei se ele gostaria de ir junto.
Gostaria! Fomos.
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Os Peñalosa são incríveis. No meio da semana, o Walter Feldman (o Secretário de Esportes) convidou para uma palestra com o Gil Peñalosa – que, pelo que entendi, foi Secretário de Transportes na gestão de seu irmão. A apresentação dele foi espetacular – mais ainda porque não é apenas um conjunto de propostas e idéias fantásticas, mas a demonstração de um trabalho muito bem feito.
(Imagine se ele fosse impedido de trabalhar por ser irmão do prefeito, sob as acusações rasteiras de nepotismo... Por culpa da “esperteza” de alguns (ok, de muitos), ser parente virou motivo de suspeita, indício de prática criminosa...)
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Ele não falou apenas sobre Bogotá, mas também sobre Nova Iorque, Copenhagen e outros lugares do mundo que já investiram muito em transporte não-motorizado, com dezenas de dados e ilustrações.
No pequeno auditório lotado da Secretaria, uma pessoa ao meu lado comentou: “Aqui vai demorar muito pra ter algo assim...”
Respondi: “Não pensa que foi fácil em todos os lugares. Eles tiveram de comprar muita briga nessas cidades também!”.
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Não demorou nada para Gil começar a falar de brigas compradas.
“Aqui cabiam 73 carros”, disse enquanto mostrava uma rua que margeia um canal no centro de Copenhagen. Estacionados a 45 graus, tomavam quase todo o espaço da rua. “Estes comerciantes protestaram – vamos ficar sem nossos clientes! Nosso negócio vai falir!”.Cutuquei o vizinho ao meu lado – “viu?”. O colombiano prosseguiu: “O prefeito ouviu todos, ouviu todas as pessoas. Mas existe algo que é sagrado: o interesse da coletividade”.
Em seguida, mostrou a foto da rua fechada (ou quase fechada) para automóveis, com dezenas de mesas ao ar livre, pedestres e ciclistas passeando. “Vocês acham que os negócios pioraram ou melhoraram?”.
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Em Bogotá, a batalha não foi diferente. A prefeitura começou a proibir para valer o estacionamento de automóveis sobre a calçada. Era uma zona; carros no passeio e pessoas no meio da rua (já pensou? Tsc, tsc). Houve protestos. A prefeitura bancou. A cara da cidade mudou. A vida na cidade mudou.
“Estacionar não é um direito constitucional em nenhum país do mundo, tenho certeza!”. Esse já é o Enrique Peñalosa falando – a frase foi aplaudida em “cena aberta” no Urban Age em Istambul, com risos de aprovação (eles dois são muito expressivos; as apresentações são fantásticas). Ele repetiu a frase em São Paulo e se estendeu um pouco mais – “Tenho certeza que a Constituição brasileira prevê direito à saúde, à educação, à moradia. Não fala em direito ao estacionamento! As pessoas vinham me questionar – ‘então o que faço com meu carro? Onde vou estacionar?’. Ora, providenciar isso não é um dever do Estado. É como se me perguntassem “não tenho lugar para minhas roupas, o que a prefeitura vai fazer a respeito?”
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Mais Enrique Peñalosa: “A mobilidade é um direito de todos, não só de quem tem carro. Não é possível que só haja segurança na rua para quem passar de automóvel e o pedestre esteja ameaçado”. “Cidades são para as pessoas, não para os carros”. “Em Bogotá, a taxa de homicídios diminuiu. [Ele deu o número; não me lembro]. As pessoas passaram a ter outros parâmetros – de respeito, de civilidade, de valor da vida”. “A ciclovia é uma demonstração muito importante do princípio de que todos são igualmente importantes; todos tem direito à mobilidade com segurança, quer possua um veículo de 30 dólares ou um veículo de 30 mil dólares”. “A ciclofaixa é a semente da revolução. Ela é a demonstração, a lembrança de que as pessoas tem direito ao espaço público. Depois de pedalar um pouquinho que seja na ciclofaixa, as pessoas percebem que é possível pedalar, que é possível percorrer 5 km com facilidade. De carro, a gente acaba pensando que as distâncias são todas enormes, e de bicicleta você vê como as coisas são próximas”.
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Ainda vou escrever muito mais sobre eles. Mas preciso explicar por que “coitado do Neto”.
Porque fiquei horas falando, quase sem parar, sobre prefeitura, Câmara, imprensa, comunidade, Istambul, etc. Acho que ele ficou até tonto. Mas foi muito bom pra mim.

4 comentários:

  1. "A ciclofaixa é a semente da revolução"...

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  2. rs... a gente anda de um jeito, que quando batemos aquele papo legal, contamos da vida - coisas boas e ruins, ficamos com pena de quem nos ouve. Afe...

    E bem legal o Neto ter ido!! :o)

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  3. Soninha, talvez você se lembre de mim. Te encontrei ontem no parque das bicicletas com minha filhota de 4 anos "á bordo" da minha bicicleta.

    A Ciclofaixa é, sem dúvida, a semente da revolução. Vejo isso pelos comentários de minha filha após levá-la para passear na nossa tímida ciclofaixa. Ela tem o poder de mudar nossa perspectiva sobre a cidade. Por isso levo uma criança na tenra idade para pedalar, considero muito importante para a formação dela.

    Estou na batalha pelas ciclovias em SP. Temos que conseguir Kms e mais Kms para as bicicletas. Parabéns pela sua luta engajada e exemplar.

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  4. Gostaria que vc me explicasse o seguinte: a moça que trabalha em casa (largo do aroucehe) uma x por semana, mora no jd ângela. Acorda 4 da manhã e deixa o filho com a vizinha. Chega em casa às 8h.
    Como sua vida poderia ser melhorada se o poder público optasse por bicicletas? Haveria ciclocia do jd ângela ao centro? Ela teria dinheiro para cmprar bicicleta? Poderia frequentar os barzinhos que vc a-do-rou ver em bogotá?
    Deveria exisitir uma lei que obrigasse todo prefeito a investir em METRO. Bicicleta é coisa para a moçada descolada de higenópolis. para os seus eleitores.

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