quarta-feira, 26 de junho de 2013

Brasileiros e brasileiras

Eu quis tirar uma foto da Lucileide, mas não teve meio de ela deixar. Poucos dentes na arcada superior, pele escura, cabelo preso com fios esbranquiçados e uns 50 anos de idade.

Explicou que "o quarto custava 200 real; eu paguei quando eu tinha, mas quando acabou o homem me botou na rua. Eu falei pra ele esperar dar o fim do mês, mas fui na feira comprar umas frutas e quando eu voltei, minha bolsa tava assim na calçada do lado de fora. A sra não tem um lençol velhinho pra me arrumar?"

Arrumei um lençol. Estava velhinho mas era de estimação - what-the-hell, Sonia, dá o lençol pra mulher.

"Mas onde a sra vai usar o lençol"?

"No ponto de ônibus".

"Ruim né?"

"Ah, mas é só até conseguir falar com o Juiz Federal lá da minha cidade, que eu tô ligando pra ele e ele manda o dinheiro da passagem [mostrou um cartão telefônico]. Eu sou de Natal. Quero voltar pra lá. Eu tava trabalhando aqui, mas o homem que eu tava trabalhando quis fazer putaria e eu não deixei. Ele me agrediu e minha mão ficou desse tamanho. Fui pro hospital, fiz corpo de delito lá no Mandaqui, a senhora conhece? Depois ficou doendo, não consigo pegar uma vassoura direito.

A sra conhece Natal? Eu nem sei lembrar as praias que tem lá, porque eu nasci numa fazenda. Fazenda a sra sabe, fica fora da cidade. Meu pai tinha uma outra dona. Ela me batia, judiava de mim. Meu pai me deu mil reais todo mês que era pra eu nunca ficar escrava de ninguém. A mulher dele perguntou pra uma conhecida dela se não tinha ninguém precisando de uma pessoa para trabalhar em São Paulo, porque lá não tinha nada. Mentira dela, tinha, ela que queria que eu fosse embora.

A mulher falou "conheço, tem uma pessoa idosa que precisa de alguém pra dormir, que não bebe, não fuma, não faz bagunça e não gosta de baixaria". Aí eu fui. Eu tinha 18 anos. Lá eu arrumei emprego - trabalhei com a filha de um jornalista, com um homem que tinha uns arados... Tinha trabalho lá. Se não fosse aquela mulher eu não tinha nem conhecido essa droga de cidade.

Mas olha, aqui eu trabalhei com homem que não conseguia nem sair da cama, fazia cocô, tudo. Eu pequenininha, com 18 anos, mal aguentava com o homem. Outra era uma mulher que ficava em cadeira-de-rodas, eu cuidei, dava banho, fui embora ela tava andando. Outra tinha um ferida assim na perna [mostrou o tamanho]. Eu tratei, ficou assim [bem menor]. O homem lá do Hospital das Clínicas perguntou "quem tá tratando disso?", eu disse "eu", ele falou "pode continuar assim". Teve uma outra mulher que tinha labirintite, a sra conhece? Dá aquela tontura? Cuidei também. Cuidei de uma porção de gente.

Eu durmo lá na São João, no ponto Ana Cintra. Tem a cobertura, tem, como se diz?, iluminação. Eu me ajeito lá. Eu tinha um lençol, mas eu distraí - a senhora sabe, tem as cadeirinhas mas tem espaço entre elas - e a ponta do lençol esbarrou no chão e molhou. Eu fiquei com nojo daquela água suja e joguei ele fora. Mas é bom ali. Eu carrego minha água [mostrou a garrafa na sacola a tiracolo] e sabonete, toalha [mostrou a mochila à frente do corpo], acordo e já pronto.

Ah, não, foto não. Foto não. [Eu: "Eu gosto de ficar com lembrança"!]. Eu pego seu endereço e mando sempre carta pra senhora".

E se foi, debaixo da chuva fraquinha.

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