... e até da Ambev.
Eu nem sabia o que estava acontecendo até uma amiga compartilhar comigo o link de um site (que eu acho bem legal) com críticas severas à parceria profissional estabelecida entre Ambev e Monja Coen. Que me lembre, ela estava um pouco em dúvida sobre o que pensava a respeito.
Li o artigo, do qual destaco alguns trechos e comento em seguida:
Monja Coen é a nova
embaixadora da Ambev; mensagem de moderação não combina com dados sobre
alcoolismo durante pandemia
A filosofia de vida que promove
uma relação mais calma, serena e mediada com o mundo não parece ser condizente
com o consumo de bebidas alcoólicas.
Mensagem de moderação é sempre benvinda, esteja o mundo passando por uma crise ou não. Não vejo como o aumento do alcoolismo pode ser uma razão para NÃO falar em moderação.
E tem mais: pessoas serenas não consomem bebidas
alcoólicas? Ser serena implica em abstinência? Quem bebe é só quem é locão, estressado, nervoso? Não é possível ter uma relação saudável com
o consumo de álcool?
“Autoconhecimento é liberdade. A
Ambev está falando sobre moderação e autoconhecimento e me convidou para ser
embaixadora da moderação da marca Ambev. Eba! Você se conhece em profundidade?
Você percebe qual é a necessidade verdadeira e quais são os limites de seu
corpo e de sua mente? É preciso conhecer-se. O autoconhecimento nos liberta.
Nos torna mais leves”, disse Coen.
Será
que o autoconhecimento torna tudo mais leve? Enquanto a Organização
Pan-Americana da Saúde revela que 35% das pessoas entre 30 e 39 anos estão
tomando doses excessivas de álcool durante a pandemia e que o alcoolismo se
tornou mais comum por conta do isolamento social (...).
Então... Se as pessoas estão tomando doses excessivas de álcool, por que não tentar ao menos falar com elas sobre perceber seus limites e suas necessidades verdadeiras? Qual a alternativa, dar uma bronca?
Trabalhei anos na MTV e quebrávamos a cabeça pensando qual a melhor maneira de falar sobre uso de drogas, "legais" inclusive, e sobre sexo e direção responsáveis. Certamente não era com discurso moralista e desconectado da realidade. Precisávamos partir do princípio de que as pessoas vão fazer sexo, por exemplo - então vamos falar sobre sexo seguro. Sobre não transar (nem beber ou fumar etc) apenas para se afirmar, para impressionar amigos ou não se sentir excluído. Sobre gostar de si e se conhecer.
E mais uma vez precisamos separar o "uso excessivo" - super disseminado em momentos bons ou ruins, casamentos ou separações, carnaval ou formatura, coquetel da firma ou depois da demissão - do alcoolismo, que é uma doença. Ainda assim, SUPER importante é uma pessoa alcóolatra ser capaz de olhar para si mesmo e admitir que é dependente; que não tem nada sob controle e que está causando mal a si e aos outros.
O site prossegue com a citação de uma postagem no Instagram:
“Tanto
marca como embaixador chegam a um acordo comum. Será que a @monjacoen acredita
mesmo nesse papo bem intencionado da Ambev que, concomitante a contratação
desse discurso, investe pesado em outras frentes demonstrando completo descaso
na preocupação com qualquer mensagem de autoconhecimento e moderação no
consumo? Sinceramente, eu não sei aonde iremos chegar. Daqui a pouco podemos
ter padres sendo embaixadores de Rivotril!. Será?”, afirmou a doutora em antropologia do consumo, Hilaine
Yaccoub, no Instagram.
Se tiver um padre dizendo "use camisinha", "cuidado com a automedicação", "não abuse de remédios", por mim tudo bem.
E acho bom também que as próprias empresas gastem dinheiro em campanhas relacionadas ao uso responsável do que vendem. Senão, restaria apenas ao Estado a obrigação de tratar disso. Uns lucram com a venda, outros bancam as consequencia para a sociedade...
Sobre o "investimento pesado demonstrando completo descaso" - caramba, como demonstra descaso se contrata uma "celebridade" para falar de moderação?
Seria melhor adotar a estratégia de outras empresas e marcas de cerveja, que associam o prazer de uma gelada a bundas femininas? Que praticamente dizem "se você não beber, nao vai se divertir"?
Segue:
Não me parece que essa seja uma imagem legítima da campanha mas sim uma montagem feita pela autora da postagem.
Me lembra muito a capa da Época de 2001 que trouxe uma foto minha com cara de tonta dizendo "EU FUMO MACONHA". A proposta da revista quando me procurou era falar de maconha "com moderação", isto é, sem os estereótipos usuais, as mensagens aterrorizantes, e tentar discutir em bases mais verdadeiras os resultados da criminalização do seu comércio. Quiseram entrevistar "gente normal" que trabalha, estuda, cria os filhos... Que não é dependente, desajustada, delinquente, não bate na mãe pra roubar dinheiro. A capa deturpou completamente o prometido e muitos concluíram que eu estava fazendo apologia ao uso de maconha - "pode fumar, vai ficar tudo bem". Não era isso que eu estava dizendo - era "fumar maconha não é sinônimo de desgraça"; embora algumas pessoas possam realmente ter problemas associados ao uso, defendo que o monopólio do comércio por organizações criminosas causa muito mais dano.
A isso, alguns respondiam (e respondem até hoje): "Legalizar??? As drogas legais são as que mais matam, como o álcool e o cigarro. Em vez de proibir essas, vai liberar as outras"? Eu replico: "Prefiro que a Souza Cruz venda cigarros do que o Comando Vermelho. Que a Ambev venda álcool em vez do Al Capone".
Ainda não terminei. Depois continuo.